Em 1934, a Batalha de Highbury imortalizou a luta dos ‘leões’ italianos contra os ingleses | OneFootball

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Calciopédia

·14. November 2024

Em 1934, a Batalha de Highbury imortalizou a luta dos ‘leões’ italianos contra os ingleses

Artikelbild:Em 1934, a Batalha de Highbury imortalizou a luta dos ‘leões’ italianos contra os ingleses

Ser batido e permanecer na história de forma positiva é algo restrito aos grandes. Bem, sem dúvidas “grande” é um adjetivo que define muito bem a Itália no futebol dos anos 1930, visto que os azzurri foram bicampeões mundiais naquela década. Aquela Nazionale era tão forte que até um amistoso teve o papel de elevá-la no cenário internacional: foi a derrota para a Inglaterra na chamada Batalha de Highbury, em 1934. A valentia dos italianos, que – na prática – jogaram com um a menos na partida inteira e quase buscaram o empate depois de levarem três gols em pouquíssimo tempo, fez com que os atletas que entraram em campo ganhassem a alcunha de Leões de Highbury e ficassem eternizados na memória dos fãs da modalidade no país.

O confronto entre Inglaterra e Itália em 1934 tem vários elementos de pano de fundo. Os azzurri haviam se sagrado campeões do mundo poucos meses antes e os ingleses resolveram convidá-los para um amistoso. O detalhe é que os britânicos, àquele momento, não estavam filiados à Fifa – se desfiliaram em 1928 e só voltaram a se associar em 1946.


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A Inglaterra, portanto, não disputava competições oficiais. Porém, por terem inventado o esporte, os arrogantes ingleses se viam como os melhores na modalidade, ainda que refutassem a ideia de se associarem novamente à Fifa para, de fato, medir forças com os rivais na Copa do Mundo, por exemplo.

Os ingleses ficavam praticamente restritos a um mundinho à parte, na Grã-Bretanha e pouco além. Tanto é que, embora a Football Association tenha sido fundada em 1863, foi somente sete décadas depois que o histórico de partidas entre Itália e Inglaterra foi inaugurado, num amistoso que terminou empatado, em Roma, em maio de 1933. O convite britânico previa que as seleções voltassem a se encontrar em novembro de 1934, em Londres. Um mês em que as condições climáticas na cidade costumavam ser as piores possíveis para a prática esportiva ao ar livre.

Vittorio Pozzo, técnico da Itália que alcançou a glória mundial, sentiu o cheirinho da armadilha. O treinador tinha a intenção de recusar o convite, pois compreendia que os ingleses pretendiam vencer os italianos em seu campo para carimbar a faixa dos ganhadores da Taça Jules Rimet e clamarem o posto simbólico de melhores do planeta. Porém, a escolha deixou de ser sua quando o ambiente político começou a se movimentar.

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Amistoso de luxo: o duelo com a Itália era tão importante para a Inglaterra que até um príncipe da família real foi a Highbury (Topical Press Agency/Getty)

Em 1934, a Itália vivia o 12º ano do regime fascista de Benito Mussolini. No ideário da nefasta doutrina, os italianos constituíam uma “raça superior” e qualquer oportunidade que permitisse a demonstração dessa suposta supremacia era encarada como obrigatória pelo governo. O Duce, então, gostou da ideia do amistoso entre a Itália e a Inglaterra e, como a Federação Italiana de Futebol – FIGC, era comandada pelo estado, Pozzo não teria como recusar.

A partida ganhou ares épicos: os organizadores a vendiam como definidora da supremacia na modalidade. Afinal, colocava o grupo que estava no topo do planeta em oposição à equipe do país que inventara o futebol. Era o jogo do século, até então.

Além desses elementos, o jogo entre Inglaterra e Itália propunha o duelo tático entre duas escolas. De um lado, uma equipe britânica repleta de jogadores do Arsenal que ganhou notoriedade sob o comando do lendário Herbert Chapman, falecido em janeiro de 1934. O técnico foi tricampeão inglês consecutivo com os Gunners, que enfileiraram o pentacampeonato nacional de 1930-31 a 1934-35. Tal qual a Juventus na Serie A, no mesmíssimo período, adotando ideias mais próximas às de Pozzo – afinal, foi comandada, em quatro destes campeonatos, por Carlo Carcano, que foi auxiliar do treinador italiano.

No fim dos anos 1920, Chapman havia criado o esquema WM (3-2-2-3), conhecido na Itália como “sistema”, que lançou as bases para uma profunda revolução estratégica em campo, pois se adaptava à nova regra do impedimento e permitia associações mais fluidas entre os atletas, privilegiando o ataque – mas sem esquecer da defesa. Pozzo, por sua vez, optava pelo WW (2-3-2-3) ou “metodo”, apostando sobretudo na tenacidade e no vigor físico de seus atletas.

Para a partida realizada em Highbury, os donos da casa apostaram num grupo formado majoritariamente por atletas do Arsenal, com sete membros dos Gunners. Os visitantes, por sua vez, tinham nove campeões mundiais em 1934 – só o goleiro Carlo Ceresoli e o meia Pietro Serantoni, que levantariam a Jules Rimet em 1938, não haviam integrado a campanha. Eles substituíram, respectivamente, Gianpiero Combi, aposentado, e Angelo Schiavio, que deixara o radar da seleção.

As seleções se enfrentariam frente a 56 mil pagantes, numa tarde fria, com neblina, gramado pesado e grande possibilidade de que a chuva que caíra pela manhã voltasse a castigá-lo. Estava tudo do jeitinho que os ingleses previam. E nas condições que Pozzo temia.

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Envolto pela névoa londrina, Ceresoli cometeu um pênalti logo no primeiro minuto do jogo (imago/United Archives International)

Em campo, as duas seleções foram cumprimentadas pelo Príncipe Arthur, Duque de Connaught e Strathearn, antes que a bola rolasse. A presença de um membro da família real britânica, sobretudo naquelas más condições climáticas e numa época em que o futebol não tinha o mesmo status de hoje em dia, reforçava a importância do embate. A Inglaterra jogaria mesmo a vida contra a Itália.

Na preparação para a partida, Pozzo transmitiu aos atletas a ideia de que a Inglaterra começaria o jogo de maneira estudada. Contudo, a Itália foi surpreendida pelo ímpeto imediato dos Three Lions: com apenas 1 minuto, Ted Drake foi derrubado por Ceresoli na área e conseguiu um pênalti. O goleiro se redimiu ao saltar e defender a cobrança de Eric Brook. Logo depois, na casa dos 2, o volante Luis Monti fraturou um dedo numa dividida com Drake, que deu um pisão intencional no pé do duro ítalo-argentino.

Como não haviam substituições na época, Monti teve de permanecer em campo só para fazer número – e, na forte neblina, nem todos os jogadores da Itália haviam percebido quais eram as condições físicas do volante. Durão, o jogador da Juventus, que falava um misto de espanhol com italiano, também não havia manifestado o seu problema. Pozzo, então, achou melhor sacá-lo para avaliar a real situação nos vestiários. Luisito pediu que colocassem um pano em sua boca, para que pudesse morder e gritar de dor sem ser escutado. O diagnóstico dos médicos foi de metatarso quebrado e o atleta foi mandado para o hospital.

No gramado, a Inglaterra aproveitava a sequência de baques sofrida pela Itália para fazer incríveis 3 a 0 em apenas 12 minutos, com doppietta de Brook, com uma cabeçada e uma cobrança de falta, e um tento de Drake, que tomara o lugar do então titular Fred Tilson.

Para tentar compensar a perda de Monti, Pozzo recuou o capitão Attilio Ferraris para a função de volante e o meia-atacante Serantoni no posto do romanista. Os azzurri redobraram os seus esforços e, com muita determinação, se dedicaram a ganhar as disputas para evitar entradas violentas dos rivais – por outro lado, também começaram a chegar mais fortemente nos adversários, num nível de selvageria que o regulamento da época permitia. Os campeões mundiais se transmutaram em gladiadores para tentarem competir de forma sólida mesmo com um homem a menos. Foi esse comportamento que levou os jornalistas da época a atribuírem ao encontro o epíteto de Batalha de Highbury.

No intervalo, o capitão Ferraris procurou motivar os seus companheiros e trouxe à tona uma conjunção de frases de efeito. “Quem da luta desiste, tem um fim muito triste. Quem desiste da luta é um grande filho da puta”, bradou. Deu certo e a Nazionale aliou a força física a um bom futebol no segundo tempo, debaixo de uma chuva persistente.

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A defesa de Ceresoli sinalizava que os Leões de Highbury tinham grande poder de reação (PA Images)

Se o capitão Ferraris se dedicar por ele próprio e por Monti no centro do campo, sendo o líder anímico daquela Itália, o  seu expoente técnico era o craque Giuseppe Meazza, da Inter. Foi com o atacante ganhador do título mundial de 1934 que a equipe azzurra marcou duas vezes, aos 58 e aos 62 minutos. O primeiro saiu de voleio, após assistência de Raimundo Orsi, e o segundo depois de o próprio Ferraris encontrar a cabeça de Peppino numa cobrança de falta.

Os italianos cresceram na partida e só não empataram porque o goleiro Frank Moss, em sua última aparição pelos britânicos, estava inspirado. Enrique Guaita e Giovanni Ferrari tiveram oportunidades e Meazza ainda carimbou a barra quando o arqueiro estava caído. A torcida inglesa ficou apreensiva, porque via que a Itália tinha condições de igualar o placar.

Para o alívio dos torcedores londrinos, a Itália não conseguiu a façanha. Mesmo assim, a seleção azzurra foi ovacionada pelos italianos que compareceram ao estádio do Arsenal e também terminou aplaudida pelos locais. Posteriormente, a Nazionale muito elogiada pela garra que engendrou a reação com um jogador a menos do que os ingleses. Por conta disso, o apelido Leões de Highbury foi dado por Nicolò Carosio, cronista do jornal Il Litoriale, que mais tarde se tornaria o Corriere dello Sport, aos atletas que participaram daquele confronto.

A Inglaterra, por sua vez, “ganhou, mas não levou”. Se os britânicos esperavam que uma vitória contundente sobre a campeã da Copa do Mundo conferisse aos Three Lions o status de seleção mais forte do planeta, o fato de terem sido dominados e quase terem cedido o empate com um homem a menos colocou muitas dúvidas sobre a capacidade da equipe. Não havia superioridade inglesa no esporte, enquanto os fascistas também não podiam se gabar de supremacia racial italiana. Os dois lados perderam alguma coisa e, de certa forma, tiveram de baixar a bola.

Entretanto, vale destacar que aquela partida disputada em Londres foi a mais marcante de um período de domínio inglês sobre a Itália. Até maio de 1973, quando a Nazionale de Giacinto Facchetti bateu a equipe capitaneada por Bobby Moore num amistoso, a Inglaterra teve oito jogos de invencibilidade no confronto, graças a quatro vitórias e quatro empates. Seis meses depois desse triunfo, os azzurri foram a Wembley e também derrotaram os Three Lions na Grã-Bretanha pela primeira vez na história. O sucesso foi, merecidamente, dedicado aos heróis de Highbury.

Inglaterra 3-2 Itália

Inglaterra: Moss; Male, Hapgood; Britton, Barker, Copping; Matthews, Browden, Drake, Bastin, Brook. Técnico: Comitê Federal. Itália: Ceresoli; Monzeglio, Allemandi; Ferraris, Monti, Bertolini; Guaita, Serantoni, Meazza, Ferrari, Orsi. Técnico: Vittorio Pozzo. Gols: Brook (3’e 10′) e Drake (12′); Meazza (58’e 62′) Árbitro: Otto Ohlsson (Suécia) Local e data: estádio Highbury, Londres (Inglaterra), em 14 de novembro de 1934

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