
Central do Timão
·26. Mai 2025
Pressões por favorecimento e conflito de interesse ameaçam independência do Conselho Fiscal no Corinthians

Central do Timão
·26. Mai 2025
Dentro da estrutura administrativa do Corinthians, um dos órgãos mais importantes na fiscalização do trabalho da diretoria é o Conselho Fiscal, composto no clube por três conselheiros eleitos a cada triênio. Quem confere essa importância ao CF, porém, não é apenas o estatuto alvinegro, mas também a legislação, principalmente a Lei Pelé (lei 9.615/1998) e a Lei Geral do Esporte (lei 14.597/2023).
As normas deixam clara a importância de que as entidades desportivas não apenas mantenham um Conselho Fiscal, mas também assegurem a esse órgão total autonomia em seu trabalho, livre de qualquer tipo de pressão política. No entanto, essa independência vem sendo ameaçada no Parque São Jorge, com tentativas da gestão de persuadir os membros do órgão a decidirem favoravelmente aos dirigentes em temas sensíveis, como as finanças do Corinthians.
Haroldo Dantas, Paulo Pimentel , Claudio Senise e Josué Lopes no Corinthians. Foto: Reprodução
Aproximação indevida
A informação foi obtida pela Central do Timão por meio de fontes ligadas ao clube, com trânsito livre no Parque São Jorge. A apuração indica que, nos últimos meses, os membros do Conselho Fiscal do Corinthians vêm sendo sistematicamente pressionados a se posicionar de forma alinhada à agenda da atual gestão.
Esse cenário teria se intensificado a partir de abril, quando cresceu a tendência de reprovação das contas de 2024, o que acabou ocorrendo no final daquele mês, e a subsequente tentativa da diretoria de reverter o quadro, ao propor a reabertura do balanço de 2023 para atribuir R$ 191,2 milhões em contingências àquele exercício e, assim, transformar o déficit de R$ 181,7 milhões registrado no ano passado em um superávit de R$ 9,5 milhões.
Segundo as fontes ouvidas pela Central do Timão, o principal interlocutor da diretoria no Conselho Fiscal é o presidente do órgão, Haroldo Dantas, que apoiou a candidatura do presidente Augusto Melo e que se candidatou a conselheiro trienal em 2023 pela Chapa 83 (Valores Corinthianos). Teria sido ele, por exemplo, o responsável por pautar o debate no CF que culminou no ofício em que o órgão aceita a reabertura das contas de 2023 do clube, mediante o cumprimento de determinadas condições.
Outro ponto sensível na relação entre o Conselho Fiscal e a diretoria, segundo as fontes ouvidas, diz respeito a encontros dos quais os membros do órgão teriam participado, ao longo dos últimos meses, na residência do então diretor financeiro Pedro Silveira, onde seriam debatidos assuntos relativos às finanças do Corinthians.
Tais encontros representariam uma quebra da imparcialidade do CF diante da gestão, comprometendo a independência exigida por lei. “(O Conselho Fiscal) foi alertado sobre esta aproximação. O órgão precisa ter absoluta independência, nenhuma ligação com a diretoria. Não pode haver nenhum tipo de dependência”, afirmou uma das fontes.
Possível conflito de interesses
Por fim, outra questão relativa a esse tema diz respeito a Josué Lopes de Souza, auditor fiscal do Corinthians. A Central do Timão recebeu sete atas de reuniões do Conselho Fiscal, ocorridas entre abril e outubro de 2024, nas quais Josué atua como “assessor técnico” do órgão. A função não está prevista nem no estatuto do Corinthians nem nos regimentos internos dos órgãos do clube.
Oficialmente, Josué deixou de assessorar o CF no final de outubro e, no mês seguinte, passou a atuar como auditor fiscal do departamento financeiro do Corinthians, um cargo remunerado – a primeira nota fiscal emitida em seu nome data de 16 de dezembro. No entanto, segundo fontes ouvidas pela redação, há suspeitas de que sua colaboração com o setor financeiro do clube já vinha ocorrendo pelo menos três meses antes desta data.
Ainda segundo estas fontes, há suspeitas de que Josué, que é da mesma chapa que o presidente do CF, teria sido indicado por este para integrar o time financeiro da gestão, comandado à época por Pedro Silveira, também integrante da mesma chapa. A intenção seria fortalecer a agenda do departamento em defesa da atual diretoria.
A Central do Timão apurou ainda que o Conselho de Orientação (CORI) vem tentando, nos últimos meses, acessar o contrato firmado entre o Corinthians e o auditor fiscal. No entanto, o clube ainda não atendeu aos pedidos do órgão fiscalizador, que não pôde analisar o documento.
Ouvimos dois advogados para compreender melhor a situação, e ambos afirmaram que a rápida migração do profissional do Conselho Fiscal para o setor financeiro da diretoria configura um conflito de interesses que, em tese, prejudica a autonomia do órgão fiscalizador. Um deles chamou atenção para a falta de algo como uma “quarentena”, que é um período de impedimento para que autoridades públicas, após deixarem seus cargos, exerçam atividades no setor privado.
A prática, prevista na lei 12.813/2013, visa justamente evitar situações que possam gerar conflitos de interesses, impedindo que ex-funcionários utilizem seu conhecimento ou influência para obter vantagens pessoais no setor privado, em detrimento do interesse público. No Corinthians, este conflito estaria posto na medida em que Josué, como auditor, passou a defender os interesses da gestão que, antes, estava ajudando a fiscalizar, estando ciente de todos os debates internos promovidos no CF.
Um dos advogados ouvidos pela Central do Timão completou: “É uma posição de estrita moralidade, né. Em empresas grandes e sérias de auditoria e compliance, isso é afastado (a troca repentina de funções). Não há nenhum crime, nada ilegal, mas ofende alguns princípios básicos da integridade”, disse.
As respostas dos citados
A Central do Timão procurou os membros do Conselho Fiscal para se manifestarem a respeitos dos temas levantados nesta matéria. O presidente Haroldo Dantas não retornou ao chamado da redação, e caso o faça a resposta será incluída aqui. Paulo Schmidt Pimentel declarou que não pode responder pelo CF. Já Claudio Luiz Senise, secretário do CF, solicitou que as perguntas fossem encaminhadas ao e-mail institucional do órgão, e havendo retorno o texto será atualizado.
O auditor fiscal Josué também foi questionado e respondeu por meio da assessoria do presidente Augusto Melo. Ele confirmou sua passagem pelo CF como assessor, afirmando que deixou a função “devido a compromissos profissionais”. Negou ainda ter sido indicado por Haroldo Dantas para a gestão, afirmando que o convite partiu diretamente do ex-diretor Pedro Silveira.
Questionado sobre a data de início do contrato com o Corinthians, o auditor não respondeu, confirmando apenas que o vínculo é válido até 31 de dezembro de 2026. Por fim, negou que a troca de funções represente um conflito de interesses. “Meu relacionamento com o CF é ótimo e a viabilização dos questionamentos são facilitados pelo fato de eu entender a necessidade de compreensão do trabalho”, disse.
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