Calciopédia
·29 de enero de 2025
Calciopédia
·29 de enero de 2025
A passagem do treinador inglês Roy Hodgson certamente está entre aquelas que não deixaram saudades na torcida da Inter. Em 1995, o britânico assumiu o clube com a temporada já em andamento e fez uma péssima Serie A, terminando na sétima colocação e sendo responsável pela saída de Roberto Carlos. Na época seguinte, recebeu em seu elenco Iván Zamorano, Youri Djorkaeff, Aron Winter e Ciriaco Sforza para tentar fazer algo diferente e seu ponto alto, se é que podemos chamar assim, foi na Copa Uefa.
Com um bom elenco na época, os nerazzurri iniciaram de forma promissora o novo capítulo com o treinador inglês, mas não demorou para que o seu trabalho começar a apresentar algumas turbulências e ser encerrado com a derrota decepcionante para o Schalke 04, na final do torneio continental – em paralelo, a Beneamata fora eliminada pelo Napoli, nas semifinais da Coppa Italia, e lutava apenas por vaga na Copa Uefa na Serie A. Porém, antes do fracasso contra os alemães, um triunfo convincente na semifinal, contra um forte time do Monaco, mascarou o ambiente, enchendo-o de otimismo às vésperas da derrocada definitiva.
Um ano antes de a França conquistar o mundo, uma parte importante do seu elenco atuava no Monaco, o adversário daquela fase. O time do principado contava com diversas estrelas, algumas já consolidadas, outras em desenvolvimento. Jean Tigana, ex-jogador conceituado que atuou apenas em território francês, foi o treinador de esquadrão e responsável por um excelente trabalho no clube.
Naquela Inter decepcionante de Hodgson, Sforza, seu pupilo, teve vaga cativa nos duelos com o Monaco (Arquivo/Inter)
No gol, a lenda Fabien Barthez, titular da seleção francesa campeã do mundo e da Eurocopa, dispensa apresentações. O quarteto defensivo era formado por Patrick Blondeau, Gilles Grimandi, Franck Dumas e, um dos mais talentosos jogadores daquela geração, Emmanuel Petit, que também era extremamente versátil e atuava em diversas posições. No meio-campo, Sylvain Legwinski e John Collins eram os meias mais ofensivos enquanto Ali Benarbia atuava como um construtor. Martin Djetou, zagueiro de ofício, era a peça de maior contenção ao jogar como volante.
O ataque contava com nomes bem conhecidos do público brasileiro. Um jovem Thierry Henry, que teria passagem apagada pela Juventus futuramente, começava a ter seus primeiros momentos de protagonismo no futebol europeu. O craque disputava posição principalmente com o nigeriano Victor Ikpeba, enquanto Sonny Anderson, o brasileiro com maior número de gols da história da liga francesa, era titular absoluto entre os dois atacantes. Ainda muito jovem, David Trezeguet sequer tinha espaço naquele time e só era utilizado no campeonato nacional.
Na trajetória rumo às semifinais, o Monaco passou com tranquilidade pelo Hutnik Kraków, da Polônia, vencendo por 4 a 1 no agregado. Na fase seguinte, maiores dificuldades contra o Borussia Mönchengladbach, da Alemanha, e uma soma de placares em 4 a 3 garantiu uma vaga nas oitavas de final. Enfrentando outra equipe alemã, o tradicional Hamburgo, passeio por 5 a 0. Por fim, nas quartas, os monegascos também tiveram poucas dificuldades para vencer em casa e fora o Newcastle, da Inglaterra, por um total de 4 a 0.
Em sua trajetória na Copa Uefa, a Inter teve muito mais dificuldades do que o esperado. Na primeira fase, nem tanto: aplicou 3 a 0 fora de casa sobre o Guingamp, da França, e o protocolar empate por 1 a 1 no Giuseppe Meazza bastou, na volta. Na fase seguinte, problemas contra o modesto Grazer, da Áustria. Depois da vitória por 1 a 0 em seus domínios, a derrota pelo mesmo placar nos Alpes – com gol de Herfried Sabitzer, pai de Marcel Sabitzer – levou o duelo para as penalidades e, no sufoco, os nerazzurri avançaram. Depois, um chamativo placar agregado de 7 a 1 ante o Boavista, de Portugal, e um 3 a 2 sobre o Anderlecht, da Bélgica, levaram a Beneamata até as semifinais.
Pilar nerazzurro, Ince foi um dos grandes nomes das semifinais (Arquivo/Inter)
Um dos grandes goleiros da história da Inter, Gianluca Pagliuca era quem iniciava a formação titular nerazzurra no duelo com o Monaco. Jogando com uma linha de quatro defensores, o interminável capitão Giuseppe Bergomi saía na lateral direita, enquanto Alessandro Pistone ficava no lado oposto. Em certas ocasiões, Jocelyn Angloma poderia entrar nesse rodízio nas alas. Na zaga, o miolo era composto por Salvatore Fresi e Massimo Paganin.
Javier Zanetti, outra figura longeva da história da Beneamata, jogou predominantemente no meio-campo em formato de diamante de Hodgson, mas também podia atuar nas laterais. Junto dele, o badalado Paul Ince dava sustentação, enquanto Sforza, bruxinho do treinador durante sua gestão na seleção suíça, já não ia tão bem. Mais à frente, o talentoso Djorkaeff era o meia mais próximo da dupla de ataque, formada na maioria das vezes por Zamorano, o Bam Bam, e o efêmero Maurizio Ganz.
Com cerca de 49 mil presentes em San Siro, sem casa cheia, os primeiros a ameaçar na partida de ida foram os visitantes. Em um cruzamento perigoso de Henry, Pagliuca precisou ter cuidado para interceptar sem colocar a bola contra a própria meta, com apenas 5 minutos de bola rolando. A Inter devolveu com uma arrancada de Ince, que foi desarmado dentro da área. Na sobra, Zamorano mandou uma finalização mascada pela linha de fundo.
Em cima, os italianos criaram mais oportunidades. Zanetti conduziu e lançou para Ganz. Petit, ao interceptar o passe, quase entregou de bandeja para o atacante adversário, mas se recuperou a tempo com um carrinho providencial e ainda ganhou o tiro de meta. Na bola parada, Djorkaeff cruzou cheio de efeito e, praticamente sozinho, Sforza subiu para cabecear, parando em defesaça de Barthez.
Apesar de momentos de aguerrida disputa, os mandantes logo deslanchariam na partida de ida, em San Siro (Arquivo/Inter)
O gol que vinha amadurecendo saiu aos 17 minutos, após longo lançamento de Sforza, que Grimandi interceptou com um uso acidental do braço. O árbitro Michel Piraux deu falta, Zanetti bateu rápido (com a bola rolando) e encontrou Ganz nas costas da defesa. Ele ainda fintou mais um defensor antes de bater forte, cruzado, colocando no fundo das redes. Foi o sétimo tento do atacante no torneio, e a contagem ainda iria aumentar naquela noite.
Confiante, Zanetti seguia avançando entre os defensores do time francês e mais uma vez deixou um companheiro em ótimas condições. O argentino encontrou Zamorano infiltrando na área e, na hora de finalizar a jogada, Bam Bam acabou se complicando com um quique da bola, devido a um toque de um zagueiro antes da definição. Assim, mandou a pelota na lua.
O volume ofensivo seguiu e, em um contra-ataque, a Beneamata ampliou, na casa dos 30 minutos. Após tentativa frustrada do Monaco em jogada de bola parada, Djorkaeff acelerou pelo lado direito e lançou na medida para Ganz, nas costas da defesa. O artilheiro da Copa Uefa deixou Grimandi para trás e só tirou de Barthez para fazer o segundo gol do confronto – seu oitavo na competição.
Em escanteio, os visitantes quase diminuíram a desvantagem na sequência. Agora no ataque, Grimandi recebeu sozinho dentro da área após Fresi afastar e nenhum jogador nerazzurro aparecer para a segunda bola. Porém, na hora de fuzilar as redes, Pistone bloqueou e salvou seu time com o pé esquerdo.
Num primeiro brilhante do artilheiro Ganz e de Zamorano, a equipe italiana encaminhou sua vaga na final (Arquivo/Inter)
Traiçoeira, a Inter aproveitou o momento em que o Monaco criava mais confiança para atacar e sacramentou a vitória em mais um contragolpe fulminante. Zamorano iniciou a jogada achando Djorkaeff, que colocou Ganz em velocidade pela direita. Ele cruzou e lá estava o matador chileno na segunda trave para conferir uma jogadaça coletiva. Em pouco menos de 40 minutos, a classificação estava praticamente decidida.
Na reta final da primeira etapa, e após o intervalo, o duelo começou a ficar mais quente e com faltas mais duras. Com apenas dois minutos de bola rolando no segundo tempo, Grimandi soltou a mão na cara de Pistone e foi expulso diretamente, sem choro nem vela. O árbitro Piraux até fez um sinal com os braços como se comunicasse “não tem o que fazer” para os jogadores do time monegasco.
Mesmo com um a mais, os donos da casa levaram o primeiro susto após o cartão vermelho. Legwinski costurou entre os marcadores e tocou para Sonny Anderson, mas o brasileiro parou em ótima saída de Pagliuca. As dificuldades do lado azul e preto de Milão estavam só começando.
Vendo sua equipe chegar com perigo, Tigana colocou mais um atacante em campo e isso surtiu efeito imediato. Ikpeba entrou aos 69 e, um minuto depois, precisou de uma bola para fazer a magia acontecer. Recebendo na entrada da área, o nigeriano carregou para a esquerda e acertou um foguete no ângulo, sem chances para o goleiro.
O Monaco tinha vários atletas importantes da França, e o mesmo ocorria na Inter, que contava com Djorkaeff e Angloma (Allsport)
Talvez receoso pelo crescimento dos franceses no duelo, Hodgson sacou Sforza para acrescentar mais presença física no meio-campo, com o holandês Winter. Nos últimos momentos no San Siro, Henry ainda teve outra oportunidade após desvio de Legwinski. No entanto, não conseguiu chutar longe do alcance de Pagliuca.
Duas semanas depois, no estádio Louis II, ambos os treinadores foram a campo com mudanças para o confronto da volta. A começar pelos donos da casa: sem o suspenso Grimandi, Franck Dumas foi escalado na zaga, que também teria o recuado Djetou; Henry perdeu lugar para Ikpeba; e, por fim, Petit assumiu um lugar no meio-campo juntamente ao belga Enzo Scifo, ex-jogador da Inter. Com a vantagem de dois gols, a equipe italiana entrou com uma formação mais defensiva: Zamorano ficou no banco, enquanto Winter ganhou espaço no onze inicial, dando mais liberdade também para Djorkaeff no ataque. Angloma tamb’m herdou a posição de Pistone na lateral esquerda.
Foi uma partida de muitos sustos para o lado italiano. Logo aos 8 minutos, Djetou – que, mais tarde, jogaria pelo Parma – mandou a bola para o fundo das redes, após cobrança de escanteio em que conseguiu finalizar sozinho. Porém, na jogada, o árbitro holandês Mario van der Ende viu falta em Bergomi, num empurra-empurra na área. Definitivamente não foi das mais claras.
Ainda ameaçada, a meta da Inter foi defendida duas vezes por Pagliuca. Primeiro, num chute forte de longe, para o qual não foi necessário pular. Depois, Sonny Anderson conseguiu cabecear livre na área e exigiu um pequeno milagre do arqueiro. No rebote, Petit mandou para fora.
O segundo tempo do jogo de volta das semifinais ficou marcado por ânimos acalorados e acréscimos agitados (Arquivo/Inter)
Apesar da frustração na primeira metade do jogo, ao tentar abrir a conta em casa, o Monaco seguiu em cima e contou com a entrada de Henry no lugar de Collins, 15 minutos após o intervalo. E o tridente que funcionou no San Siro também deu resultado no principado. Em jogada bem trabalhada, o super substituto marcou, após linda tabela com Blondeau. No entanto, outro balde de água fria: com demora, a arbitragem marcou impedimento (acertadamente) no lance, o que enfureceu a equipe de Tigana e exaltou os ânimos no gramado.
Com tanta insistência, o gol finalmente saiu. Em jogada de bola parada, Ikpeba aproveitou a indecisão dentro da área nerazzurra para colocar no fundo das redes. No lance, Anderson claramente usou o braço para dar um corte para o nigeriano, num erro grave que passou batido tanto pelo juiz quanto pelos bandeirinhas. Independentemente disso, ainda havia esperança para os monegascos.
Anderson teve uma boa chance pelo alto, cabeceou e mandou pela linha de fundo. Depois disso, finalmente a Inter acordou e criou alguma coisa. Ganz, interceptado por Djetou, e Marco Branca, carimbando a trave, tiveram as oportunidades de tranquilizar a noite, mas sem sucesso. Nos minutos finais, Barthez foi para o ataque e até bateu escanteio, com certa qualidade, só que não achou o destino. Os acréscimos, aliás, foram bastante agitados e, até hoje, são lembrados pelos mais efusivos torcedores dos dois times.
Com muito sofrimento, a Inter passou do futuro campeão francês daquela temporada. Na finalíssima, como já falamos no início do texto, não foi páreo para o Schalke 04, mesmo sendo a favorita no confronto contra os alemães: depois de derrota por 1 a 0 na Alemanha e vitória em casa, pelo mesmo placar, caiu nos pênaltis em San Siro, na última decisão em ida e volta do torneio. O título da Copa Uefa ficaria adiado por mais um ano e poderia ser celebrado em 1998, sobre a Lazio, com uma atuação de gala de Ronaldo Fenômeno em Paris.
Inter: Pagliuca; Bergomi, Paganin, Fresi, Pistone; Ince, Sforza (Winter), Zanetti; Djorkaeff; Ganz, Zamorano. Técnico: Roy Hodgson Monaco: Barthez; Blondeau, Grimandi, Irles (Martin), Petit; Legwinski, Djetou, Benarbia (Scifo), Collins (Ikpeba); Henry, Sonny Anderson. Técnico: Jean Tigana. Gols: Ganz (17’ e 30’) e Zamorano (39’); Ikpeba (70’) Cartão vermelho: Grimandi Árbitro: Michel Piraux (Bélgica) Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 8 de abril de 1997
Monaco: Barthez; Blondeau, Djetou, Dumas, Martin (Grassi); Legwinski, Petit, Scifo, Collins (Henry); Ikpeba, Sonny Anderson. Técnico: Jean Tigana. Inter: Pagliuca; Bergomi, Paganin, Fresi, Angloma; Zanetti, Ince, Sforza, Winter (Branca); Djorkaeff; Ganz (Galante). Técnico: Roy Hodgson Gol: Ikpeba (69’) Árbitro: Mario van der Ende (Países Baixos) Local e data: estádio Louis II, Mônaco (Principado de Mônaco), em 22 de abril de 1997