Zerozero
·15 Januari 2025
Zerozero
·15 Januari 2025
«Sinto que o Rodrigo Mora quer crescer, evoluir, não quer ficar por aqui. Sabe que está a iniciar um caminho que é longo e que, por vezes, terá pedras pelo meio. Estamos cá para lhe dar atenção. Dá-me ideia que está muito bem rodeado e isso é essencial para um menino de 17 anos». Palavras sábias de Vítor Bruno, na antevisão à Final Four da Taça da Liga.
Amigos, companheiros de equipa, treinadores e meros conhecidos. Todo este ciclo teve certamente peso na construção da personalidade do jovem jogador. Porém, nada bate a influência da família, os profundos connoisseurs de como é o talento longe das câmaras, longe da presença assídua nos relvados.
Esta plena convicção levou o zerozero a preparar uma mochila com todos os bens essenciais - em linguagem jornalística, uma câmara e um microfone para captar a essência da nossa visão paisagística - e a zarpar para Custóias, freguesia matosinhense onde o prodígio azul e branco deu os primeiros passos.
Exatamente dois anos depois de assistirem à estreia do seu menino pelo FC Porto em ligas profissionais - um minuto jogado num FC Porto B-Tondela -, a família de Rodrigo Mora recebe-nos na terra de sempre. Uma viagem de emoções e memórias.
O Estádio do Custóias FC era o primeiro ponto traçado por Francisca Mora, irmã do prodígio azul e branco e nossa guia turística durante a solarenga manhã. Estranhou-nos a meteorologia numa semana onde havia predominado o mau tempo e estranhou-nos o sossego que contagiava o recinto desportivo.
Situado numa área remota do município de Matosinhos, o respetivo palco é afastado das zonas habitacionais. Posto isto, o foco de toda a atenção dos peões paira sobre a larga fachada pintada a branco. Uma estrutura pouco convencional, mas que espanta pela sua magnitude. Há outra referência infraestrutural por estas bandas, mas vamos falar dela mais tarde...
Para nossa surpresa, a mana do avançado chegou ao ponto de encontro acompanhada por uma pessoa muito especial: a mãe, Vânia Mora. Com boa disposição e um sorriso no rosto, cumprimentaram a nossa equipa de reportagem e o gelo - comum em apresentações formais - foi quebrado com uma grande facilidade. Já na entrada das instalações, a receção foi bastante calorosa.
Ricardo Rocha, vice-presidente do clube, mostrou-se agradecido pela exposição dada ao seu refúgio. Prontamente, alertou-nos para o facto de ainda não exercer funções aquando da passagem do médio pelo pequeno Custóias. Todavia, confessou que os seus filhos andaram com Mora na Escola Básica de Gondivai. A sinceridade agradou-nos. Durante a curta introdução, novos intervenientes foram chegando paulatinamente, entre os quais, o Sr. Rui.
Ora bem, quem já teve a oportunidade de experienciar um contexto futebolístico, certamente já teve um Sr. Rui nas suas vidas. Um homem que vive em prol de uma causa: a sustentabilidade da sua paixão. Tem (no papel) a função de roupeiro, mas rapidamente apercebemo-nos de que é bem mais do que isso. É uma entidade. Alguém que conhece o emblema matosinhense como a palma da sua mão.
A mítica figura de boina e de bigode farfalhudo, como autêntico líder da manada, mostrou-nos os cantos à casa, percorrendo, com passo acelerado, o extenso e amplo corredor. Desde os balneários à salinha onde se equipam as diversas equipas de arbitragem, as instalações são modernas face à modesta realidade da formação do distrito do Porto. No entanto, é na descuidada rouparia que se encontra a mina de ouro para grandes histórias.
Entre múltiplas fotografias e outras recordações, entre o cheirinho habitual dos equipamentos lavados, o Sr. Rui apontou em direção a uma camisola azul exposta na parede, uma das poucas que não era verde - cor característica do clube. «Esta é do Rodrigo, nos tempos de Dragon Force», referiu. Após a pergunta «tem mais alguma?», o experiente roupeiro apressou-se a ir buscar outra, mas esta tinha o símbolo do emblema matosinhense estampado.
Houve algo que imediatamente nos saltou à vista: o '7' nas costas. Foi o número escolhido pelo Rodrigo em tenra idade. No entanto, apesar de algumas modificações no vestuário, o estilo de jogo já era bastante semelhante: «Ele era um rato de área. Quando os defesas tiravam o olhar de cima dele, o rato já tinha desaparecido», referiu o experiente roupeiro, numa primeira instância.
«Ele movimentava-se bem para a esquerda e para a direita. Não era um fixo, era um vagabundo. Gostava de vaguear pelo terreno. Para além disso, rematava bem com os dois pés, algo que ainda se vê agora», acrescentou, antes de dar-nos o aval para subirmos a escadaria até ao local onde tudo acontece.
Francisca esboçou um sorriso quando visualizou o relvado: «Já não vinha aqui há muito tempo». Normal. Rodrigo Mora jogou no Custóias FC até à época 2015/16, num percurso que se iniciou quando tinha, apenas, quatro anos de idade. Já lá vão muitas primaveras. Apesar disso, algumas lembranças ainda estão muito vívidas na sua cabeça.
«Lembro-me de o ver jogar. Ele era muito pequeno e a bola não saía dos pés dele. Parecia que tinha cola. Lembro-me perfeitamente de um jogo em específico. A bola começou no meio-campo, ele passou por toda a gente e marcou golo. Foi algo extraordinário», recordou.
À época, a estatura de Rodrigo servia de chacota, pelo menos, até à redonda parar nos seus subtis pés: «Muitas das vezes, ouvia-se da bancada uma cosa feia: 'Olha aquele pequenino, que anão'. Contudo, depois começava a partida e as pessoas viam que ele era o melhor jogador em campo. Ele conseguia mudar a perspetiva.»
Hélder Peixoto, atual diretor de formação do clube, já conhece o protagonista deste conto há largos anos, uma vez que o seu filho foi companheiro de equipa de Mora. O respetivo entrevistado assegurou que o atleta de 17 anos precisava apenas de uma coisa para estar feliz, ao melhor estilo da série 'Oliver & Benji'.
«Já em pequenino era completamente diferenciado, principalmente no que toca ao drible e às fintas de corpo. Eu privei com ele em casa e posso garantir que o Rodrigo estava sempre com a bola debaixo do pé ou debaixo do braço. Andava sempre com ela atrás. A bola era a sua melhor amiga [risos]», referiu.
Esta clara paixão pela modalidade fica patente em mais uma história contada por Francisca, a irmã: «O Rodrigo, sempre que saía do jogo, puxava os calções do treinador. Agarrava-se à perna dele e dizia que queria jogar mais tempo. Foi assim aqui e nos primeiros tempos no FC Porto.»
Segundo Hélder Peixoto, para além da apurada qualidade individual, existe outro fator que tem conduzido a pérola do Olival ao sucesso: «Não mostrava quaisquer sinais de vedetismos. Passaram por aqui miúdos que pensavam que eram os novos Ronaldos e não tinham metade da qualidade do Rodrigo. Ele só se focava em jogar.»
Exemplar. A opinião que todos os abordados também têm sobre o progenitor da jóia portista. José Manuel teve um vasto percurso no futebol português, contando com passagens no Leixões e no SC Braga. Quem conviveu com o antigo defesa nas bancadas destaca o comportamento positivo e didático para com o filho.
«Eu acompanho futebol há quase 40 anos e acho que existem muitos pais que incutem aos miúdos a obrigação de se tornarem os próximos CR7's. Neste caso, foi um pouquinho o inverso. Como o pai tinha sido jogador, não forçou para que ele se tornasse profissional», disse o diretor da turma de Matosinhos.
Entre conversas paralelas, o nome 'Rodri' começa a subir de tom. Não, não eram discussões sobre o meio-campista do Manchester City. Demorou mais do que o suposto, mas acabamos por entender que esta era a alcunha de Mora numa idade precoce. Um diminutivo carinhoso, que espelha um pouco a sua compleição física. A existência de mais dois jovens futebolistas chamados Rodrigo no balneário acabou por levar a esta mudança circunstancial.
Subitamente, deparamo-nos com Augusto Reis, presidente da nobre instituição, a observar atentamente a rede por detrás da baliza. Questionado sobre o que é que se passava, a resposta do dirigente foi vaga, porém, esclarecedora: «É o dia-a-dia de um clube como o nosso...». O olhar recai posteriormente sobre uma grande muralha branca, já com alguns sinais visíveis de deterioração: a célebre prisão de Custóias.
Curiosamente, também o Custóias FC habita numa cárcere orçamental, com alguns apoios externos a permitirem a sua subsistência: «Se fosse só por nós, era impossível termos as instalações que temos hoje. Temos poucos sócios. Fomos obrigados a entregar o estádio à Matosinhos Sport, porque não temos as condições monetárias para gerir estas dificuldades», afirmou o líder máximo, após fazer um reparo sobre a temática principal.
«É uma sensação muito especial ver o Mora onde está hoje. No entanto, queríamos ser beneficiados com qualquer coisa para produzirmos mais miúdos cá dentro. Infelizmente, produzimos alguns e eles fogem. Acabamos por ficar sem nada», salientou com um claro tom de frustração.
Na sequência de vários passou-bem e beijinhos, chegava a hora de seguirmos para a próxima paragem da nossa tour.
Cinco minutos foi o tempo necessário para chegarmos ao segundo destino. No meio de várias residências com tonalidades distintas, um autêntico paraíso de infância emergiu. Rodri já foi apenas uma criança, que tal como tantas outras, seguia impacientemente para o rinque ao pé de casa, com o intuito de desfrutar dos tempos livres, principalmente no verão.
Os postes de ferro eram substituídos pelos postes de metal, a relva era substituída pelo cimento revestido a azul e vermelho, e a essência... bem, essa não era substituída por nada. A diversão continuava a dar o mote para uma jovialidade colorida. No entanto, de acordo com Francisca, o talento do irmão mais novo causava alguma comichão.
«Por norma, os rapazes mais velhos estavam a ocupar o rinque. Quando estávamos a chegar à curva e eles viam que o meu irmão estava a chegar, fechavam a porta. Não queriam que ele jogasse. Gozavam muito com ele, mas quando o Rodrigo começava a jogar, a partida ficava sempre muito desnivelada», contou primeiramente.
«Muitas das vezes, a nossa avó tinha de pedir aos rapazes para deixarem o meu irmão jogar. Dividiam o campo e ele ficava com o meu primo Tiago, que joga nos sub-17 do Leixões. Como ele não queria ficar sozinho, a minha tia e a minha avó sentavam-se à beira da rede. Ele pedia para baterem palmas. Ficavam entretidos a tarde toda [risos]», explicou ainda.
Que Rodrigo ama o desporto que pratica, já não restam grandes dúvidas. Porém, o internacional português pelas camadas jovens tem vindo a ganhar o gosto por outra modalidade: o padel. Porém, face ao número acrescido de treinos e o desgaste físico que os mesmos provocam, o '86' tem posto esta vocação de lado, pelo menos, temporariamente. Francisca Mora assegurou, ainda, que o irmão prefere um estilo de vida mais pacato, mais caseiro, mantendo-se entretido com a sua Playstation.
O amor pelos dragões chegou bem primeiro do que o amor pela consola: «Esta paixão pelo FC Porto sempre esteve bem presente, porque o meu pai também representou o clube nas camadas jovens. Temos família sportinguista do lado da mãe, mas tanto eu como o meu irmão sempre fomos mais puxados para o outro lado [risos]», referiu Francisca, antes de destacar a autoconfiança do irmão nas suas aptidões.
«Por tudo aquilo que ele dava na equipa B, o Rodrigo estava à espera de integrar a equipa principal eventualmente, nem que fosse num treino. Nós vivíamos isto muito intensamente, mas não estávamos a contar que isto acontecesse de forma tão rápida. Não estávamos à espera que ele marcasse e assistisse em dois jogos seguidos. O próprio Rodrigo acha o oposto, porque tem bem noção daquilo que realmente vale.»
O pequeno Rodri mostra-se visivelmente feliz em campo, contagiado pela energia do parceiro espanhol. A ligação especial com Samu Aghehowa não tem passado pelo pingos da chuva, com a elevada química entre os dois ibéricos a deixar os simpatizantes azuis e brancos verdadeiramente entusiasmados com o futuro. 17 e 21 anos. A irreverência como combustível premium.
«Eles têm personalidades muito parecidas. São ambos muito brincalhões, mas não estão tão confortáveis em ambientes que não conhecem tão bem. Tornam-se mais reservados. Para além disso, não gostam de festejar o aniversário, apesar de fazerem anos no mesmo dia, 5 de maio. Une-os muito a posição, porque o meu irmão dá muito ao jogo do Samu, e vice-versa. O meu irmão também admira muito a humildade dele», disse Francisca.
Tudo faria crer que a localização mencionada anteriormente seria a última desta aventura, mas a mãe de Francisco Mora tinha mais uma surpresa reservada.
Numa fila indiana automobilística, deparamo-nos com uma imponente construção arquitetónica, cercada por um parque deserto. «Onde estamos?», questionámos movidos pela curiosidade: «Este é o Mosteiro de Leça do Balio. É um símbolo da zona onde o Rodrigo nasceu e cresceu. Foi onde viveu momentos importantes na sua vida, como o batismo ou a comunhão», disse a progenitora do atleta.
«É um sítio particularmente bonito e sossegado. Fugiam para aqui muitas vezes para andar de bicicleta. Tanto ele, como a irmã e os primos, vinham para cá frequentemente, porque é um espaço seguro e amplo. Dava para relaxar um pouco, libertar a adrenalina», prosseguiu.
Se no campo Mora é irrequieto e extrovertido, supusemos que Rodri teria as mesmas características fora deste mundinho desportivo. Não podíamos estar mais enganados...
«O Rodrigo foi desde sempre um miúdo muito sossegado, extremamente reservado. Sempre teve um círculo próximo muito pequeno, desde amigos a outras influências. No entanto, quando está à vontade, é a pessoa mais bem-disposta. Tem um sentido de humor bastante próprio, muito gozão. Enche qualquer sala. Também é muito meigo e preocupado com a família. Ele tenta evitar os holofotes. Vamos ver como vai evoluir quando tiver de se expor cada vez mais. Não precisa de muito para ser feliz», garantiu Vânia Mora.
Estava na hora de um breve throwback: o dia 28 de dezembro ficou marcado por um momento memorável. O génio saiu da lâmpada para tornar as luzes que pairavam sobre o camisola '86' ainda mais incandescentes. Num ato destemido, Mora pegou no esférico e foi para cima da oposição boavisteira.
Dono de si, o controlo de bola rente ao pé e as constantes fintas de corpo atormentavam Filipe Ferreira, que rapidamente pediu reforços para travar a operação. No entanto, ninguém conseguiu colocar um ponto final na corrida desenfreada. Para acabar com chave dourada, o jovem avançado desferiu um remate em arco, com o pior pé. A bola descansou, feliz, onde dorme a coruja.
«Foi uma sensação incrível. Emocionámo-nos imenso. Aliás, quando olhámos para o lado, ainda estávamos a chorar. Tinha a sensação que toda a gente estava a olhar para nós. Foi a primeira vez que vimos um dos sonhos dele a ser concretizado à nossa frente. A minha vontade era dar-lhe um grande abraço naquele minuto, mas só lhe dei depois. É o culminar de tanto trabalho, de abdicar de tanta coisa, como férias, sair ou dormir», disse, com uma lágrima no canto do olho, a mãe. Uma leve lágrima de alegria.
Sobre o futuro da promessa, reina a incerteza, mas não a desconfiança: «Acredito verdadeiramente que ele vai chegar longe. Vai ter uma belíssima carreira. Se ele continuar com o foco aliado ao talento, teremos uma fórmula vencedora, que lhe poderá dar um percurso muito bonito.»
Pés bem assentes na terra num mar recheado de dúvidas: «A sorte pode impactar, como o número de lesões ou o tipo de equipa onde virá a jogar, eventualmente, no futuro. Há muitos fatores que podem condicionar a sua carreira, alguns estão no controlo dele e outros nem por isso. Como é que ele vai reagir a estas objeções, que são inevitáveis? Não sabemos. Toda a gente que está ao seu redor tenta influenciar da melhor forma.»
Mãe que é mãe só pensa numa coisa: «O que eu quero é que ele seja super feliz.»