Calciopédia
·29 de janeiro de 2025
Calciopédia
·29 de janeiro de 2025
Em 1993, num momento importante de seu ano, a Juventus mediu forças com um dos mais vitoriosos clubes portugueses pela terceira vez em sua existência: na temporada 1992-93, a Velha Senhora encarou o poderoso Benfica nas quartas de final da Copa Uefa, hoje conhecida como Europa League. Embora o placar agregado daquele duelo (4 a 2) indique superioridade bianconera, a história real não foi tão simples, sobretudo no jogo de ida, em território lusitano. O confronto foi um dos mais complicados para a gigante de Turim em seu caminho rumo ao tricampeonato da competição.
Vivendo sua segunda passagem pela Juventus, o técnico Giovanni Trapattoni retornara à agremiação em 1991. Reconhecido como um dos maiores treinadores da história bianconera e também do futebol mundial, Trap tinha construído uma era vitoriosa em Turim de 1976 a 1986: nesse período, ergueu seis vezes a liga italiana, conquistou duas copas nacionais, uma Copa dos Campeões, um Mundial de Clubes e foi responsável pelo primeiro troféu internacional da Juve – justamente a Copa Uefa, em 1977. Em sua volta, a missão era fazer a equipe dar um salto de qualidade, já que estava atrás dos maiores rivais desde que o próprio comandante deixara Turim.
Aquela equipe bianconera formou a base que, três anos depois, Marcello Lippi usaria para ganhar a segunda Liga dos Campeões da Juve, abrindo caminho para três finais seguidas. Angelo Peruzzi, Moreno Torricelli, e até mesmo Paulo Sousa – que enfrentava a Juventus pelo Benfica naquela ocasião, mas se transferiria para Turim um ano depois –, além de Antonio Conte, Fabrizio Ravanelli e Gianluca Vialli, estariam no grupo campeão de 1996, diante do Ajax. Entretanto, Roberto Baggio, o grande nome da Velha Senhora de Trapattoni, não estava no elenco que levantou a orelhuda por atritos com o sucessor.
Na Serie A de 1991-92, a Juve de Trap fechou o campeonato em segundo lugar, oito pontos atrás do Milan de Marco van Basten, treinado por Fabio Capello e primeiro a vencer o torneio de forma invicta. Pelo lado bianconero, Roberto Baggio se destacou, somando 15 gols na competição e 22 no total da temporada. Na campanha continental seguinte, ele manteve o protagonismo, balançando as redes seis vezes na Copa Uefa e levantando a taça como capitão.
Paulo Sousa, que mais tarde reforçaria os bianconeri, era um dos destaques do Benfica; já Möller era novidade em Turim (Arquivo/Juventus FC)
Chegando da Sampdoria, Vialli se juntou a Baggio e marcou cinco gols no torneio europeu, formando um ataque de alto nível com o craque italiano e Andreas Möller, reforço da temporada que não foi titular absoluto. Por consequência, Ravanelli, Pierluigi Casiraghi e Paolo Di Canio tiveram participações mais pontuais ao longo da competição.
No meio-campo, outro reforço foi Dino Baggio, sem qualquer parentesco com Roberto, que dividiu o setor com Roberto Galia e Conte, todos atuando de forma mais defensiva. A zaga contava com o alemão Jürgen Kohler e o brasileiro Júlio César, além dos italianos Massimo Carrera e Torricelli – este, uma contratação fora do radar, mas que vingou na lateral direita. O “pequeno”, porém, talentoso, Peruzzi fechava a meta juventina. Vale ressaltar ainda o papel de Marco De Marchi, que apareceu com frequência na ala esquerda, reforçando a solidez na retaguarda da equipe.
Até enfrentar os portugueses, a Juventus já havia superado o Anorthosis Famagusta, do Chipre, com um placar agregado de 10 a 1: primeiro um 6 a 1 na partida de ida e, na volta, 4 a 0 em território cipriota. Em seguida, contra o Panathinaikos, o avanço foi mais suado, com uma vitória magra por 1 a 0 na Grécia e um empate em 0 a 0 em Turim. Antes de encarar adversários mais reconhecidos, os bianconeri cruzaram com o modesto Sigma Olomouc, da Chéquia, passando sem sustos: 2 a 1 fora de casa e 5 a 0 diante de sua torcida.
O Benfica, por sua vez, chegou às quartas de final com um caminho mais fácil do que o da Juventus. De cara, enfiou logo 8 a 0 no Belvedur Izola, da Eslovênia, e, em seguida, passou pelo Vác, da Hungria, com um 6 a 1. Nas oitavas, o 4 a 2 sobre o Dynamo Moscou também foi construído com alguma tranquilidade.
Robi Baggio seria eleito como melhor do mundo em 1993, mas não teve atuações fenomenais contra o Benfica (Arquivo/Juventus FC)
No duelo de ida, disputado em 4 de março de 1993, o Benfica entrou em campo com Silvino no gol, uma linha defensiva formada por José Carlos, Hélder, Mozer e o capitão Veloso. No centro do gramado, Paulo Sousa ocupou a cabeça de área, contando com o suporte de Vítor Paneira e Stefan Schwarz, enquanto Isaías (pela esquerda), Sergei Yuran (centralizado) e João Pinto (pela direita) formaram o trio ofensivo. A Juventus, em um 4-3-2-1, teve Peruzzi na meta, Carrera, Kohler, Júlio César e Torricelli na defesa, uma meia cancha com Conte, Galia e Dino Baggio, além de Roberto Baggio (capitão) e Möller mais avançados, municiando o atacante Vialli.
A partida começou com o Benfica dominando a posse e o ritmo do jogo. A Juventus, principalmente com seu 10, tentava explorar os contra-ataques, mas sem muita efetividade. Após esse período de equilíbrio, em uma falha na saída de bola, os mandantes recuperaram a pelota no meio de campo. Yuran segurou a zaga bianconera e serviu muito bem Vítor Paneira, que finalizou no canto direito de Peruzzi, sem chances para o goleiro. Em uma época de sinalizadores nas arquibancadas, o camisa 7 dos encarnados não hesitou em abraçar o Estádio da Luz na sua comemoração: foi para a galera e, por tirar a camisa, foi advertido com o primeiro cartão amarelo da peleja.
Trapattoni, que estava na corda bamba na época, devido ao mediano desempenho de seu time na Serie A, viu sua Juventus sofrer para voltar ao confronto após o gol. Fato é que, apesar da qualidade técnica em campo, para as duas equipes, os jogadores da Juve seguiram por um jogo mais físico e flertaram com o cartão amarelo enquanto tentavam se encontrar. O principal alvo era o camisa 10 do Benfica, Yuran.
No momento em que a Juventus era melhor, a Velha Senhora teve uma falta no meio de campo que Robi Baggio cobrou e, após alguns toques, encontrou muito bem Carrera na lateral direita. O camisa 2 cruzou na entrada da área e quase viu Vialli empatar o confronto após uma bicicleta extraordinária, que parou no travessão, depois um leve desvio do goleiro Silvino.
No segundo tempo do jogo de volta, Vialli converteu pênalti e deixou os italianos vivos no duelo (Arquivo/Juventus FC)
O Benfica voltou à ativa após o susto, mas sempre parando na sólida defesa do time de Trapattoni. Quando não, Peruzzi saía muito bem da área para fazer o corte. Em uma delas, um susto para os bianconeri, que viram o camisa 1 trombar com Júlio César – por pouco, os mandantes não ampliaram o placar. Os portugueses voltaram a assustar pouco tempo depois com Yuran, que finalizou por cima da meta juventina.
A partida, que já estava pegada, ficou ainda mais quando Möller, camisa 11 bianconero, calçou Vítor Paneira aos 35 minutos, lance que provocou um tumulto entre as duas equipes. O árbitro Guy Goethals, da Bélgica, mais uma vez prorrogou o primeiro amarelo para a Juventus. Os cerca de 50 mil torcedores presentes, já muito participativos, ficaram ainda mais barulhentos durante o restante da etapa inaugural, em protesto contra a decisão. Aquele tempo do confronto se resumiu a um embate no meio-campo, um jogo muito tático e, principalmente, disputado.
O segundo tempo começou com o Benfica, treinado pelo ex-meia Toni, um histórico nome encarnado, em cima da Juventus. Carrera fez um importante corte para evitar mais um gol dos mandantes logo no início. Os italianos até tiveram uma boa escapada com Dino Baggio, que tentou cavar um pênalti não marcado pelo árbitro. Na sequência, Peruzzi brilhou com uma boa defesa em chute do carioca Isaías.
Muito física, a partida voltaria a ser paralisada pouco após os lances de perigo, após uma entrada forte de Roberto Baggio em Vítor Paneira. O burburinho protagonizado pelos torcedores benfiquistas no final da etapa inicial retornou ali, com razão. Trapattoni aproveitou para realizar ali sua primeira troca, aos 52 minutos: Galia deu lugar a Di Canio. Com essa entrada, a Juve passou a ser mais ofensiva e, aos poucos, o jogo se tornava mais rápido e condizente com a qualidade técnica das equipes.
Decidida, a Velha Senhora rapidamente abriu o placar no jogo de volta, contando com o zagueirão Kohler (Arquivo/Juventus FC)
Neste momento, Robi Baggio era o principal articulador ofensivo da Juve, mesmo recuado após a entrada de Di Canio, e todas as jogadas passavam por ele. Não por acaso, aos 58 minutos de jogo, após um período de posse bianconero, Conte encontrou Möller entrando na área em velocidade, quando foi travado irregularmente pelo goleiro Silvino. O cobrador de pênaltis designado era o capitão, futuro melhor do mundo naquela temporada. Porém, o Divin Codino não estava se sentindo 100% quando a Juve teve a oportunidade de empatar, a partir da marca da cal. Foi Vialli que se adiantou para assumir a responsabilidade e assim o fez: arqueiro para um lado, bola para o outro.
Pouco tempo após o gol, aos 61, finalmente o árbitro Goethals advertiu a Juventus com o cartão amarelo, mesmo que Torricelli tenha cometido a mais leve das faltas juventinas. O belga havia perdido a paciência. As Águias se mantiveram no jogo após o empate bianconero, mas sempre esbarrando na sólida defesa italiana. Para o Benfica, a preocupação desde o intervalo era seu camisa 10, Yuran, que já era dúvida para voltar nos últimos 45 minutos e voltou. O atacante dos encarnados saiu mancando aos 65, dando lugar a Pacheco. Instantes antes, Rui Águas substituiu José Carlos.
Se a Juventus tinha Robi Baggio, o Benfica possuía Vítor Paneira em uma noite estrelada. Quando o confronto havia esfriado, Isaías encontrou muito bem o camisa 7 português do outro lado da área, e ele só teve o trabalho de empurrar a bola para o gol, colocando os mandantes em vantagem novamente. Os encarnados até balançaram as redes pouco tempo depois, porém o lance já estava parado por uma falta em cima de Júlio César. Após o tento, os lusitanos incomodaram muito o time de Trapattoni, que, por outro lado, não empatou novamente o jogo por mero detalhe. Em um chute afobado de Vialli, a bola sobrou para Möller, que emendou um voleio perigoso: Silvino apenas observou a bola passar a poucos centímetros da sua baliza.
O duelo de ida das quartas de final chegou ao seu fim com o Benfica sendo melhor e, por pouca coisa, não ampliando o placar para a partida da volta. Foi a primeira derrota da Velha Senhora na competição, mas não no duelo com os portugueses: até então, nos três jogos realizados entre os times, os encarnados haviam levado a melhor em todos. Aliás, mesmo na época do fechamento deste texto, em janeiro de 2025, a formação de Lisboa ainda conservava grande vantagem no retrospecto com a Juve – somava sete triunfos, um empate e uma derrota. A única vitória bianconera ocorreria justamente naquela Copa Uefa, engrandecendo a campanha que resultaria no seu título. No Delle Alpi, os italianos escreveriam uma história completamente diferente da vista na Luz.
Sempre oportunista, Dino Baggio fez a Juve ficar em vantagem na eliminatória nos acréscimos do primeiro tempo da volta (Arquivo/Juventus FC)
Em 17 de março de 1993, 13 dias após o primeiro confronto, a Juventus recebeu o Benfica no novo Delle Alpi – que logo ficaria desatualizado e, mais tarde, seria demolido para dar lugar ao Allianz Stadium. A mesma pressão para Trapattoni: aquele resultado seria crucial para a temporada bianconera, e o revés poderia custar sua cabeça no cargo de treinador. Para o segundo jogo, a única alteração inicial da Velha Senhora foi a de Giancarlo Marocchi no lugar de Galia. Do lado português, José Carlos saiu para a entrada de Paulo Madeira, e Isaías deu lugar a um tal de Rui Costa, que dali a pouco tempo viria a ser ídolo da Fiorentina e peça importante do Milan, com diversos títulos conquistados pelos dois times italianos.
Diferentemente do jogo anterior, nesse não havia espaço para a segurança. Logo no início, Vialli roubou a bola da zaga benfiquista e finalizou com muito perigo, obrigando Silvino a defender, gerando o primeiro escanteio da Juventus no confronto inteiro. Já naquela oportunidade, aos 3 minutos, o goleiro português saiu mal para afastar o escanteio e Hélder deu um passe involuntário para o zagueiro alemão Kohler, que abriu o placar no Delle Alpi. Os olhares se voltaram para o arqueiro, que sangrou muito devido a uma trombada com Marocchi no lance. De imediato, ele foi substituído por Neno.
O Benfica foi com uma postura muito diferente para a Itália. Peruzzi demorou para trabalhar, pois o time treinado por Toni pareceu abatido após dois baques – o gol logo no começo e a saída de Silvino, numa época em que apenas duas substituições eram permitidas a cada partida. Yuran, que já não estava 100% na ida, continuou sendo uma preocupação. Ao contrário de Goetahls, no Estádio da Luz, o árbitro Peter Mikkelsen, da Dinamarca, não teve tanta paciência com os bianconeri. O primeiro cartão amarelo do jogo saiu ainda na etapa inicial, para Möller, e apenas um minuto depois foi a vez de Carrera ser advertido.
Tudo isso ocorreu após um período de equilíbrio na partida. Os encarnados conseguiram, mesmo que sem apresentar muito perigo, nivelar o confronto até aquele momento. Roberto Baggio naturalmente continuava a ser a referência, porém, Vialli esteve mais participativo, principalmente pela esquerda. Aos 31 minutos, Hélder meteu a mão na bola após um lance do camisa 9 juventino e foi contemplado com o primeiro cartão amarelo benfiquista na peleja. Mesmo de longe, Möller finalizou para o gol na cobrança da falta, sem oferecer perigo para o goleiro Neno.
Ravanelli entrou no segundo tempo e, com poucos minutos em campo, definiu a vitória bianconera (Arquivo/Juventus FC)
Indo para os finalmentes da equilibrada etapa inicial, Rui Costa cobrou um escanteio na cabeça do brasileiro Mozer, que até balançou as redes, mas o lance já estava parado por falta de ataque do Benfica. Nos últimos segundos do longo período de acréscimos, por conta da lesão de Silvino, a Juventus também teve uma oportunidade de virar o confronto: Vialli sofreu uma falta no limite da grande área, Robi Baggio a cobrou e conseguiu escanteio. Na cobrança de Kohler, o cenário do começo da partida se repetiu: Vialli deu um leve toque na pelota, que sobrou para Dino Baggio, de frente para a meta. Ele não desperdiçou e deixou a Juve, que obtinha uma inédita vantagem na eliminatória, a um pé da semifinal. O árbitro terminou o primeiro tempo logo após o gol.
Se o final da primeira etapa foi perfeito para a Juventus, o mesmo não pode se dizer do início dos últimos 45 minutos do confronto. Em uma dividida muito forte na lateral do campo, Roberto Baggio acabou por se machucar e, logo aos 54, deu lugar a Galia. Poucos momentos depois, foi a vez de Möller sair para a entrada de Ravanelli. Logo após a sua entrada, o Penna Bianca foi servido por Vialli e cabeceou muito próximo do travessão, quase deixando sua marca.
Bom, ele queria e conseguiu. Aos 67 minutos, após jogada de Galia, Ravanelli chutou cruzado e deu números finais à partida: 3 a 0 para uma Juventus muito dominante no jogo e que finalmente despachava o fantasma encarnado. O Benfica até tentou reagir, mas parou nas mãos de Peruzzi todas as vezes. Da mesma forma que os portugueses no primeiro encontro, a Velha Senhora teve oportunidades para ampliar o placar, novamente com Ravanelli e Vialli, porém também esbarrou na defesa adversária.
João Pinto e Ravanelli foram advertidos juntos já no final do jogo, mas, àquela altura, pouco importava: a Juventus estava na semifinal da Copa Uefa. Na sequência, ainda venceria o Paris Saint-Germain e bateria o Borussia Dortmund para chegar ao seu terceiro título na competição. Como citamos no início do texto, a Velha Senhora vencera o torneio anteriormente em 1977, quando superou o Athletic Bilbao, ainda na primeira passagem de Trapattoni por Turim, e, em 1990, levara a melhor sobre a Fiorentina.
Benfica: Silvino; José Carlos (Rui Águas), Hélder, Mozer, Veloso; Schwarz, Paulo Sousa, Vítor Paneira; João Pinto, Yuran (Pacheco), Isaías. Técnico: Toni. Juventus: Peruzzi; Carrera, Kohler, Júlio César, Torricelli; Conte, Galia (Di Canio), D. Baggio; Möller, R. Baggio; Vialli (De Marchi). Técnico: Giovanni Trapattoni. Gols: Vítor Paneira (11’e 80′); Vialli (59′) Árbitro: Guy Goethals (Bélgica) Local e data: Estádio da Luz, Lisboa (Portugal), em 4 de março de 1993
Juventus: Peruzzi; Carrera, Kohler, Júlio César, Torricelli; Conte, D. Baggio, Marocchi; Möller (Ravanelli), R. Baggio (Galia); Vialli (De Marchi). Técnico: Giovanni Trapattoni. Benfica: Silvino (Neno); Veloso, Hélder, Mozer, Paulo Madeira (Rui Águas); Schwarz, Paulo Sousa, Vítor Paneira; João Pinto, Yuran, Rui Costa. Técnico: Toni. Gols: Kohler (2′), D. Baggio (45 + 5′) e Ravanelli (67′) Árbitro: Peter Mikkelsen (Dinamarca) Local e data: estádio Delle Alpi, Turim (Itália), em 17 de março de 1993