Calciopédia
·08 de novembro de 2024
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·08 de novembro de 2024
A eliminação para o Porto, na semifinal da Copa Uefa da temporada 2002-03, marcou o fim da era de ouro da Lazio. A equipe da capital vivia um período histórico, tendo sido campeã da Recopa Uefa em 1999, da Supercopa Uefa do mesmo ano, da Serie A, em 2000, e bi da Coppa Italia e da Supercopa Italiana, em 1998 e 2000. Tantos títulos na época em que o futebol da Bota era indiscutivelmente o melhor do mundo, com grandes times e os principais craques, são conquistas extremamente difíceis, o que mostra a qualidade do trabalho feito no lado celeste da Cidade Eterna. Porém, alcançar esse patamar exigiu que a agremiação contraísse enormes dívidas e foram elas que interromperam o percurso dos aquilotti após a queda para os lusitanos.
Em um futebol extremamente endinheirado e com investidores externos sendo cada vez mais relevantes, a Lazio recebeu grandes aportes financeiros do polêmico empresário Sergio Cragnotti. Nascido em Roma, ele trabalhou em diversos ramos. Começou na contabilidade em empresas de cimento, chegando a viver por um tempo no Brasil, e posteriormente, atuou nos setores financeiro, alimentício e de produtos de limpeza, sempre sendo muito bem-sucedido. Foi no ano de 1992 que decidiu que o futebol seria mais um foco de seus investimentos.
Cragnotti, em uma operação extremamente ágil, que durou menos de um mês para ser firmada, pagou 36 bilhões de velhas liras para se tornar o acionista majoritário e presidente do clube da capital. Desde o início, fez grandes aportes financeiros e contratou jogadores de relevância – e assim seguiria em seus anos como mandatário da agremiação. Estrelas como Pavel Nedved, Juan Sebastián Verón, Diego Simeone, Jaap Stam, Sinisa Mihajlovic, Dejan Stankovic, Simone Inzaghi e Hernán Crespo jogaram na Lazio no período. Treinados na maior parte do tempo por Sven-Göran Eriksson, os craques levaram o time a alçar voos que nunca havia conseguido.
O empresário, porém, passou a ter problemas financeiros por conta de investimentos malsucedidos. Sergio, somente dois anos após se tornar presidente da Lazio, buscou expandir ainda mais seu próprio poder, ao comprar a Cirio, uma das maiores empresas do mundo no ramo alimentício. Ao longo dos anos, contudo, a marca passou a adquirir um montante muito grande de dívidas a curto prazo enquanto realizava aplicações que trariam frutos no longo. Não havia, portanto, faturamento suficiente para saldar os débitos dentro do tempo estipulado.
O romano havia aberto o mercado da Lazio na bolsa de valores, de forma que a agremiação poderia ter cada vez mais acionistas. Ao mesmo tempo, a situação delicada da Cirio fez com que os milionários aportes não ocorressem mais, já no ano de 2002. Cragnotti deixou seu cargo no clube em janeiro de 2003 e seria preso no ano seguinte. Durante um semestre, cumpriu pena por bancarrota fraudulenta, mas seria absolvido posteriormente.
Com a saída de seu presidente no meio da temporada e a drástica queda nos investimentos, os débitos dos biancocelesti cresceram exponencialmente, fazendo com que fosse necessário se desfazer de grandes estrelas, como Alessandro Nesta e Crespo. Nos anos posteriores, a equipe ainda sofreria com a situação econômica, tendo chegado muito perto da falência em 2004, da qual foi salva por Claudio Lotito, que se tornaria seu presidente mais longevo.
Lazio e Porto eram as duas favoritas ao título da Copa Uefa, em 2002-03 (Getty)
Esse era o contexto periclitante que a Lazio vivia em abril de 2003, às vésperas do embate europeu com o Porto. A equipe era treinada por Roberto Mancini – que, em seus tempos como atleta, na década de 1990, havia sido uma das grandes contratações de Cragnotti – e tinha conseguido manter um cenário de estabilidade na Serie A, após uma pequena queda de rendimento que sucedeu a saída de Cragnotti e de diversos craques. Os aquilotti se encontravam na quarta colocação da Serie A, brigando por uma vaga na Champions League, e tinham nas copas as esperanças de levantar troféus naquela temporada.
Em solo nacional, a Lazio estava na semifinal da Coppa Italia, mas partira com desvantagem no duelo com a arquirrival Roma – no dia 16, logo após o confronto de ida com o Porto, seria eliminada. Na Copa Uefa, com ida e volta ainda por serem jogadas, a expectativa era maior: três jogos separavam os aquilotti de um título inédito, e de sua terceira conquista continental. Porém, do outro lado, havia um forte e obstinado adversário, treinado por um jovem português que, mais tarde, mostrou que entendia muito de como fazer seus comandados crescerem em mata-mata. O time lusitano era comandado por José Mourinho, ainda em início de carreira.
No papel, a Lazio teve um caminho muito mais fácil do que o do Porto até as semifinais. Na época, a Copa Uefa era disputada inteiramente em mata-mata, e coube aos italianos eliminar Skoda Xanthi, da Grécia (placar agregado de 4 a 0); Estrela Vermelha, representante de Sérvia e Montenegro (1 a 0); Sturm Graz, da Áustria (3 a 2); Wisla Cracóvia, da Polônia (5 a 4); e Besiktas, da Turquia (3 a 1). Nesta campanha, vale salientar, a derrota caseira para os austríacos e um pirotécnico 3 a 3 no Olímpico, contra os poloneses, levantaram dúvidas sobre a verdadeira força daquela equipe.
O Porto, por sua vez, encarou adversários mais relevantes, no geral. O time de Mourinho se impôs sobre rivais mais modestos, como Polonia Warszawa (6 a 2 na primeira fase), Austria Vienna (3 a 0, na segunda) e Denizlispor, da Turquia (8 a 3, nas oitavas de final). Porém, na terceira etapa e nas quartas, encarou ossos duros de roer. Um deles foi o Lens, que fora vice-campeão francês com dois pontos a menos que o histórico Lyon de Juninho Pernambucano. Ainda assim, aplicou um sonoro 3 a 1. Depois, sofreu e precisou da prorrogação para passar pelo grego Panathinaikos (2 a 1), que havia obtido uma das oito melhores campanhas da Champions League anterior.
Apesar da disparidade nas trajetórias, Lazio e Porto eram as duas favoritas a vencer a competição – do outro lado da chave, havia Boavista, rival local dos azuis e brancos, e o Celtic de Henrik Larsson. No fim as contas, a força dos portugueses em casa foi um diferencial mais preponderante do que o fato de a partida decisiva do confronto ocorrer na Itália. O primeiro jogo, no Estádio do Dragão, foi suficiente para praticamente garantir a classificação portista. Uma diferença muito grande de intensidade e foco que se traduziu em um verdadeiro massacre nas quatro linhas.
O início de jogo foi promissor para a Lazio, que escalava para o embate o versátil brasileiro César e o beque português Fernando Couto, cria portista. Os italianos surpreenderam os mandantes com um tento anotado por Claudio López logo no primeiro ataque, aos 6, após uma bela troca de passes e com uma finalização precisa. A alegria da equipe visitante, porém, duraria pouco.
Não demorou nem cinco minutos para Maniche arriscar um chute de longe e contar com um desvio no meio do caminho, que tirou o goleiro Angelo Peruzzi da jogada, para igualar o marcador. E a primeira etapa já terminaria com um revés, pois aos 28, Deco cobrou um escanteio perfeito para um ótimo cabeceio do brasileiro Derlei.
No confronto com o Porto, a Lazio enfrentou problemas para parar o brasileiro Derlei, que seria o goleador da Copa Uefa (Getty)
A superioridade do Porto e as muitas oportunidades criadas por Deco e Derlei, além de Maniche e Hélder Postiga, que mais tarde atuariam na Itália, respectivamente por Inter e pela própria Lazio, indicavam que os times poderiam ter ido para o intervalo com um placar mais elástico. O que só não aconteceu por conta de uma ótima atuação de Peruzzi, uma das seguranças daquela equipe celeste.
O segundo tempo apenas agravou isso com requintes de crueldade, pois o herói italiano nos primeiros 45 minutos bateu roupa em uma falta de muito longe, cobrada por Deco e deu o rebote nos pés do matador Derlei, aos 50. Pouco depois, em uma bela jogada feita em transição, Postiga fez o quarto dos portugueses, selando a goleada na ida do embate e encaminhando a vaga na decisão. A semana da Lazio foi terrível, já que seis dias depois a equipe perderia para a Roma e seria eliminada da Coppa Italia. Antes esperançosa e na expectativa de dois títulos e de uma vaga na Champions League seguinte, a torcida biancoceleste era submetida a um choque de realidade.
No jogo de volta, os italianos sabiam que precisariam se superar para conseguir o milagre. Eles não contavam, porém, com a capacidade que Mourinho já tinha de montar uma defesa sólida e praticamente intransponível. Pouco ocorreu durante a partida. A única grande oportunidade da Lazio foi em um pênalti, aos 56 minutos. López cobrou, mas o ótimo goleiro Vítor Baía caiu para fazer a defesa e impedir qualquer princípio de reação, mantendo o placar em 0 a 0. O que persistiu até o final, consagrando a classificação dos portugueses, a queda dos capitolinos e o início de uma espiral que traria muita dificuldade nos anos subsequentes.
Com bastante sacrifício, a Lazio ainda garantiu a quarta posição da Serie A, com quatro pontos a mais que Parma e Udinese, e uma vaga na fase preliminar da Champions League. Depois, teve de fazer mais vendas – Giuseppe Pancaro e Simeone saíram para Milan e Atlético de Madrid no verão europeu e Stankovic, para a Inter, no inverno – e ficou com um elenco mais modesto. Ainda assim, Mancini conduziu a equipe ao título da Coppa Italia, em 2004.
E o Porto? Bem, primeiramente, o Celtic impediu que o clássico com o Boavista fosse realizado na final daquela Copa Uefa, devido a um golzinho de Larsson no fim do jogo de volta, em terras lusitanas. Os dragões acabaram derrotando os escoceses na decisão, graças ao tento salvador de Dmitri Alenichev, na prorrogação, tiveram Derlei como artilheiro da competição, com 12 bolas nas redes, e ainda abocanharam a Primeira Liga e a Taça de Portugal em 2002-03. Era um preparativo para a glória máxima da trupe de Mourinho no ano seguinte, com a conquista do bi nacional e, principalmente, do lendário título da Champions League, em duelo com o Monaco.
A Lazio ficou com o Porto engasgado na goela por anos a fio – período em que conseguiu se reconstruir sob a batuta de Lotito e faturou três edições tanto da Coppa Italia quanto da Supercopa Italiana, além de ter acumulado várias “medalhas de prata” dessas competições e um valoroso vice na Serie A, em 2023. Os capitolinos enfrentaram os azuis e brancos pela Liga Europa, em 2021-22, e foram novamente eliminados. Somente depois de mais de duas décadas é que o jejum caiu por terra, e exatamente no segundo principal torneio de clubes da Europa: no apagar das luzes, o veterano Pedro garantiu a primeira vitória da história celeste sobre os dragões.
Porto: Vítor Baía; Paulo Ferreira, Jorge Costa, Ricardo Carvalho, Nuno Valente; Maniche, Costinha, Alenichev (Tiago); Deco; Derlei (Jankauskas), Hélder Postiga (Marco Ferreira). Técnico: José Mourinho. Lazio: Peruzzi; Pancaro, Mihajlovic, Fernando Couto, Favalli (Castromán); Fiore, Simeone (Giannichedda), Stankovic, César; López, Chiesa (Inzaghi). Técnico: Roberto Mancini. Gols: Maniche (10’), Derlei (28’ e 50’) e Hélder Postiga (56’); López (6’) Árbitro: Kyros Vassaras (Grécia) Local e data: estádio do Dragão, Porto (Portugal), em 10 de abril de 2003
Lazio: Marchegiani; Oddo, Mihajlovic, Fernando Couto, César; Liverani (D. Baggio), Giannichedda (Fiore), Stankovic; López, Inzaghi, Chiesa (Lazetic). Técnico: Roberto Mancini. Porto: Vítor Baía; Ricardo Costa, Jorge Costa, Ricardo Carvalho, Nuno Valente; Paulo Ferreira, Maniche, Deco (Tiago), Alenichev (Pedro Emanuel); Derlei, Hélder Postiga. Técnico: José Mourinho. Cartões vermelhos: César; Hélder Postiga. Árbitro: Gilles Veissière (França) Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 24 de abril de 2003
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