
Gazeta Esportiva.com
·09 de maio de 2025
Risco judicial e caso VaideBet devem congelar negociação entre Corinthians e Adidas; compare valores

Gazeta Esportiva.com
·09 de maio de 2025
A Polícia Civil de São Paulo deve concluir ainda no mês de maio o inquérito que apura o contrato entre Corinthians e VaideBet. A possibilidade de indiciamento do presidente Augusto Melo que, por consequência, tende a ser afastado do cargo no clube, é um elemento que está sendo levado em consideração nas conversas entre dirigentes e conselheiros sobre a eventual troca de fornecedor de materiais esportivos no Timão.
Apesar da intenção de Augusto Melo em acelerar o processo para quebrar o vínculo vigente com a Nike e assinar com a Adidas, a Gazeta Esportiva apurou que nada deve acontecer antes da conclusão policial. Vinicius Cascone, diretor jurídico do clube, é quem está à frente das negociações e entende que o caso tem de ser levado ao Conselho de Orientação (Cori) para que o órgão opine sobre o que deve ser feito.
“O Conselho de Orientação e Fiscalização comunica que até a presente data não recebeu qualquer tipo de consulta ou documento da Diretoria Executiva sobre esse assunto e, caso isso ocorra, não deixará de cumprir com suas atribuições estatutárias sempre preservando a instituição Corinthians e seguindo o que nosso estatuto reza”, diz nota do Cori enviada à reportagem.
“Comunicamos que o Conselho Deliberativo tomou ciência desse assunto apenas pela imprensa e não nos cabendo qualquer manifestação nesse momento”, acrescenta nota do Conselho Deliberativo.
Já a Comissão de Justiça, presidida pelo advogado Leonardo Pantaleão, antecessor de Cascone na diretoria executiva, alertou para os riscos ao clube em caso de progresso na troca.
“A rejeição das contas do presidente Augusto Melo, por todos os órgãos de orientação e fiscalização, ou seja, Conselho Fiscal, Cori e Conselho Deliberativo configura um episódio relevante no contexto da governança do clube. Embora não caiba à Comissão de Justiça opinar sobre as diretrizes administrativas da entidade — devendo sempre atuar em estrita consonância com o Estatuto Social e o Regimento — é pertinente registrar preocupação quanto à segurança jurídica de eventuais contratos celebrados pela atual gestão, os quais poderão futuramente ser objeto de questionamentos, sobretudo à luz da responsabilidade administrativa”, afirma a CJ, que na semana passada solicitou o afastamento imediato de Augusto Melo justamente por receio de decisões que possam causar insegurança jurídica à instituição.
Vinicius Manfredi de Azevedo, superintendente de marketing demitido por Augusto Melo no fim de abril, foi chamado por Cascone para prestar uma consultoria remunerada e, assim, seguir com participação nas tratativas com a Adidas. Azevedo, no entanto, refutou o convite após conselheiros e jornalistas tomarem ciência do caso e deixou aberta a possibilidade de trabalhar junto ao clube depois do desfecho do caso VaideBet.
Sem o apoio de Azevedo e dos três órgãos fiscalizadores neste momento, a possibilidade de qualquer evolução nas conversas com a Adidas é remota. Internamente, há insegurança até mesmo sobre a intenção da empresa alemã em assinar um contrato nesta condição. Portanto, o desfecho policial e a resolução do caso de impeachment de Augusto Melo são fundamentais para que as negociações, seja com Nike ou Adidas, possam prosperar.
Corinthians, Nike e Adidas foram procurados pela reportagem e explicaram que não vão se manifestar de maneira oficial sobre o assunto.
VALORES DA ADIDAS A proposta da Adidas que o Corinthians pretende apresentar ao Cori, após rodadas de negociação, é inferior aos valores que a empresa se comprometeu a pagar ao Flamengo. A reportagem apurou, ainda, que a Adidas não pode pagar a nenhum outro clube brasileiro um valor superior ao que foi acordado com os rubro-negros.
Com o Corinthians, as condições ficariam da seguinte maneira: R$ 18 milhões anuais fixos pelo patrocínio; R$ 35 milhões anuais firmados como mínimo garantido de royalties; R$ 6 milhões em enxoval sob o compromisso de entrega de 60 mil peças por ano para uso do clube; R$ 2 milhões por ano direcionados a ações de marketing.
O total remete ao valor mínimo de R$ 61 milhões por ano, sendo R$ 53 milhões “em dinheiro”. Os valores de patrocínio, verba de marketing e enxoval teriam correção de 5% ao ano, diferentemente dos royalties, que seriam congelados até o fim do vínculo, estipulado para um período de 10 anos.
Em média, o Corinthians receberia cerca de 25% por meio do MRG (Minimum Royalty Guaranteed – Royalty Mínimo Garantido), pois essa porcentagem do lucro líquido das vendas teria uma variação de acordo com o produto em questão. Para superar os R$ 35 milhões, o clube precisaria vender mais de 1 milhão de camisas no ano, cerca de 300 mil camisas a mais em relação a temporadas de sucesso neste quesito.
Em caso de assinatura deste contrato, a Adidas também se compromete a pagar R$ 100 milhões em luvas, o que faria o valor mínimo final, após 10 anos, se aproximar de R$ 710 milhões, sendo R$ 630 milhões “em dinheiro”. Este valor pode sofrer acréscimo por meio de bonificações, como, por exemplo, prêmios por conquistas desportivas, que também seriam incluídas do contrato.
O Corinthians ainda perderia amarras para promover ações, lançar produtos e fazer negociações pontuais com outras marcas para modalidades do esporte amador.
VALORES DA NIKE No atual contrato entre Corinthians e Nike, que vai se encerrar em dezembro deste ano, a empresa tem de repassar ao clube, todos os anos, 14% do lucro líquido das vendas da Nike de produtos licenciados junto ao Timão.
Com a renovação automática, o contrato prevê que, de 2026 a 2029, o Corinthians terá direito a receber 25% dos royalties, com o adendo da empresa ser obrigada a garantir, desde 2018, um valor mínimo ao Corinthians de R$ 3,3 milhões ao ano. Em 2024, por exemplo, este valor bateu a marca de R$ 10,2 milhões.
A Nike também paga ao Corinthians uma “Base Anual de Remuneração”. Pelo período de 2018 a 2025, o clube tem direito a receber US$ 3,8 milhões por ano. Com a renovação, esse valor salta para US$ 6,2 milhões para cada uma das quatro temporadas seguintes, o que na cotação atual significa, aproximadamente, R$ 38 milhões.
O clube, segundo o atual vínculo, tem direito a R$ 4 milhões de enxoval por ano, valor constantemente ultrapassado nas últimas temporadas, e R$ 1,5 milhão em ações de marketing da parceria.
Com as condições estipuladas na renovação, o Corinthians passará a ter, a partir de 2026, um contrato com valor mínimo de R$ 46,8 milhões, sendo R$ 41,3 milhões “em dinheiro”.
No ato da assinatura, em dezembro de 2017, o Corinthians recebeu um bônus de US$ 8 milhões. Há também a previsão de bônus por desempenho do time masculino profissional.
RENOVAÇÃO FORÇADA O atual vínculo entre Corinthians e Nike foi celebrado em dezembro de 2017 e passou a ter validade em janeiro de 2018. Nele, a cláusula número 2, nomeada como “Vigência”, oferece à empresa a oportunidade de decidir pela renovação automática.
“A Nike terá a opção de prorrogar a vigência por mais um período de 4 (quatro) anos contratuais, de 1 de janeiro de 2026 a 31 de dezembro de 2029 (‘Anos Opcionais’), válido desde que seja enviado aviso prévio por escrito quanto à referida opção no dia 31 de dezembro de 2024 ou antes dessa data. Para os fins deste contrato, um ‘Ano Contratual’ significará um período de 12 meses do dia 1 de janeiro ao dia 31 de dezembro”, diz a cláusula.
A Fisia, empresa que representa a Nike no Brasil desde 2020, enviou uma carta registrada ao Corinthians no dia 16 de dezembro de 2024 e, no dia 19 do mesmo mês, enviou um e-mail à cúpula do clube. Assim, a empresa acionou, conforme rito previsto e exigido no contrato, a cláusula de renovação automática.
A Fisia, assim como o Corinthians, entendia que o contrato necessitava de ajustes e não deveria ser renovado nas condições previstas por um texto de 2017, época em que o clube era comandado por Roberto de Andrade às vésperas do segundo mandato de Andrés Sanchez.
Porém, sem qualquer resposta da diretoria de Augusto Melo, com o prazo para exercer a renovação próximo do fim e uma decisão estratégica da Nike de não se desvincular do Corinthians, a Fisia se viu “obrigada” a acionar a cláusula “Vigência” e garantir a prorrogação automática do contrato, mesmo sem concordar com os termos descritos nele.
VALE O RISCO? Vinicius Manfredi de Azevedo, quando liderava o departamento de marketing do Corinthians, em 2024, chegou a ter conversas com a Nike, inclusive com a participação de Fred Luz, numa época em que todas as partes concordaram que um novo contrato deveria ser discutido.
Naquela ocasião, a Nike se aproximou dos valores propostos pela Adidas neste momento, mas as conversas foram interrompidas por decisão de Augusto Melo, que inclusive afastou Fred Luz das tratativas.
Nos bastidores, há um entendimento de que, após a eventual saída de Augusto Melo do cargo, aquelas reuniões podem ser retomadas para que o clube consiga um contrato com a Nike semelhante ao que poderia chegar com a Adidas, porém, com a vantagem de não arriscar milhões de reais em uma briga judicial.
O Corinthians, por exemplo, já aprovou a confecção da linha 2026 de uniformes. O clube, portanto, teria de pagar os investimentos já feitos pela Nike, mais o que a empresa deixaria de ganhar até o final do contrato, além do risco de ter de ressarcir a empresa pelo descumprimento de cláusulas contratuais.
O atual contrato diz que “em até 90 dias antes do fim da vigência (incluindo anos opcionais)”, ou seja, contando a extensão até dezembro de 2029, o clube não poderá participar de nenhuma negociação com empresas concorrentes, e a Nike terá direito exclusivo à preferência de negociação durante o período.
O contrato também prevê que durante a vigência e também por um período de 180 dias após o vencimento, a Nike ainda terá o direito de cobrir qualquer oferta de outra empresa.
O contrato entre Corinthians e Nike ainda determina que qualquer conflito entre as partes tem de ser, obrigatoriamente, resolvido no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, uma instituição que está entre as mais caras do país no que diz respeito a valores de taxas processuais.
Para ingressar nesta luta, a diretoria do Corinthians já sondou a contratação do escritório Machado Meyer Advogados, um dos maiores do Brasil e que, inevitavelmente, geraria uma despesa elevada ao clube.
EXEMPLO COM A PIXBET Em fevereiro de 2024, o Corinthians optou por rescindir de maneira unilateral com a PixBet para assinar com a VaideBet, movimento parecido com o que Augusto Melo pretende fazer agora com Nike e Adidas.
A decisão sobre as empresas de apostas gerou uma dívida de R$ 40,1 milhões com a PixBet. Apenas uma semana depois, a dívida alcançou os R$ 44,1 milhões devido ao custo assumido pelo clube de pagamento de 10% ao advogado da empresa. O Corinthians, após muita discussão, fez um acordo de parcelamento, mas não está adimplente. Sendo assim, esta dívida com a Pixbet, segundo relatório do Cori, já se aproximou do valor de R$ 50 milhões por causa de juros e correções.
O caso com a PixBet tem sido lembrado dentro do Parque São Jorge por aqueles mais receosos, e a preocupação vai além de uma eventual derrota na Justiça contra a Nike. O destaque é de que não há multa rescisória estipulada no vínculo com a fornecedora, o que torna imensurável, neste momento, o valor de uma eventual despesa pela quebra de vínculo.
A diretoria jurídica do Corinthians, por outro lado, entende que vale a pena correr o risco para fechar com a Adidas e, na Justiça, pretende alegar que o contrato com a Nike é “ilegal” por obter cláusulas unilaterais e leoninas. O clube também entende que a Nike não cumpre com todos os compromissos e que a Fisia não tem autonomia para renovar o contrato com o Corinthians em nome da Nike.