Trivela
·14 de novembro de 2021
Trivela
·14 de novembro de 2021
A Sérvia está em mais uma Copa do Mundo, a sua terceira desde a separação de Montenegro, em 2006. De maneira dramática, com gol nos acréscimos da segunda etapa, a seleção dos Bálcãs se aproveitou da inoperância de Portugal para vencer por 2 a 1, em pleno Estádio da Luz, para conseguir a mais gloriosa de suas vitórias, neste domingo.
O cenário estava todo favorável para que os portugueses conquistassem uma vitória e alcançassem de maneira direta a vaga para Copa de 2022. Em casa, na cidade de Lisboa, com estádio cheio e time completo, não havia quem acreditasse em uma derrota. E um empate servia para as ambições de todo um povo que parou diante da televisão por algumas horas.
No entanto, a atuação portuguesa foi bastante abaixo da crítica, relaxada demais para quem enfrentava um adversário qualificado e de total apagão dos seus principais astros. A Sérvia tinha uma tarefa bastante delicada de neutralizar tanta gente, sobretudo Cristiano Ronaldo, o homem dos gols no Fergie Time. E fez direitinho o que se propôs, do começo ao fim, merecendo demais um triunfo honroso, de virada e com requintes de crueldade.
A história começou muito bem para Portugal, que com um minuto de jogo, viu Renato Sanches aproveitar um rebote com bastante espaço para bater na saída do goleiro Predrag Rajkovic. Com frieza, o meia bateu alto e balançou a rede. O golpe não necessariamente refletiu o que acontecia em campo: a Sérvia ocupou bem melhor os espaços no meio-campo e utilizou Sergej Milinkovic-Savic e Dusan Tadic para aumentar a pressão em cima da zaga lusitana.
Mais organizada, a equipe de Dragan Stojkovic soube controlar melhor a bola, tendo maior posse, além de fazer Portugal correr bem mais para acompanhar. O erro de escalação de Fernando Santos expunha constantemente a zaga de José Fonte e Rúben Dias contra Milinkovic-Savic, Tadic e o sempre perigoso Dusan Vlahovic. A situação gerou diversos problemas para a defesa portuguesa, que estava em desvantagem nos confrontos sem a bola.
Mesmo atrás no placar, a Sérvia não se desesperou e seguiu seu plano para o jogo. Controlar seu campo defensivo e gerar alternativas em suas descidas. Portugal se demonstrou errático com a vantagem, desperdiçando muitos ataques, errando muitos passes e saindo com lentidão para a faixa central. Faltou intensidade e inspiração: Cristiano Ronaldo pouco apareceu e sempre tentou acionar os companheiros em vez de resolver por conta própria. Sanches e Diogo Jota bem que tentaram dar a opção a Ronaldo, mas a defesa sérvia trabalhou bem na contenção dos espaços.
Era questão de tempo para o empate. Os sérvios estavam melhores, criavam mais e ficavam mais com a bola. Nessa trama, ela caiu nos pés de Tadic, que ajeitou bem, abriu um corredor perto da meia-lua e bateu. O chute teve um leve desvio na defesa e traiu Rui Patrício, que caiu sem muita segurança para agarrar, espalmando para dentro do gol. Os sintomas do empate já estavam bastante evidentes, mas Fernando Santos precisou perder a vantagem para entender que optou pela estratégia errada ao encarar um setor ofensivo tão perigoso.
Quase houve a virada. Vlahovic, em posição de impedimento, recebeu e tocou na saída de Rui Patrício, mas o gol foi anulado pelo bandeira, corretamente. Era possível ouvir a apreensão da torcida local na Luz: os portugueses ficaram nas cordas em uma sessão consistente de socos aplicados pela equipe visitante.
No intervalo, foi a vez dos estrategistas mexerem nas peças: Stojkovic sacou Nemanja Gudelj, que estava mal na contenção, para fortalecer ainda mais sua primeira linha, promovendo a entrada de Aleksandar Mitrovic, outro tanque para pressionar a dupla Fonte-Dias. Do outro lado, Fernando Santos manteve a mesma equipe, ao menos na formação.
Na postura, os donos da casa melhoraram. Até por conta da saída de Gudelj, Portugal teve mais calma e possibilidade de organizar seus contragolpes. Mitrovic, do lado de lá, mal tocava na bola. A cartada de Stojkovic estava com toda cara de tiro no pé. Mas quando entra um goleador no jogo, você espera o apito final para criticá-lo. Quando controlou mais o ritmo, a seleção lusitana parou de correr tantos riscos. A Sérvia até chegava, mas não arrematava ao gol de Rui Patrício. Nos 45 minutos finais, Sanches apareceu bem e quase fez o segundo, em um desentendimento dos defensores Nikola Milenkovic e Milos Veljkovic. O meia do Lille quase empurrou para as redes nesse bate-cabeça sérvio, mesmo caído no chão após uma dividida.
A partida ficou bastante amarrada na parte final, com poucas ações perigosas, muitas faltas e passes errados. A tônica de jogo picado se repetiu e vários ataques acabavam antes do último passe ou de um chute em direção ao gol. Fernando Santos mexeu e promoveu a entrada de Bruno Fernandes na vaga de Bernardo Silva e João Palhinha na de João Moutinho, dando mais dinâmica à sua criação. Mas nem eles conseguiram causar algum choque na defesa sérvia. No fim, o homem mais perigoso do lado português foi mesmo Renato Sanches, que tentou de tudo e mostrou serviço.
Portugal entrou em uma situação bastante confortável. Sem precisar atacar e sem correr perigo, era só gastar o tempo e esperar o apito final. Nos 10 minutos finais, a tensão se acentuou, embora a Sérvia falhasse em concretizar o que havia feito muito bem na etapa inicial. Mitrovic deu um cabeceio perigoso que passou rente à trave.
Sentindo a iminência de um cenário difícil, Santos mexeu novamente, colocando Rúben Neves na vaga de Sanches e João Félix na vaga de Jota. Cabia à Portugal apenas não deixar o rival chutar, e nada mais. Stojkovic colocou Luka Jovic na vaga de Filip Kostic muito perto dos acréscimos, e apenas essa nova energia mexeu com os sérvios. Aos 45, hora do abafa: Tadic arrumou um cruzamento perfeito na cabeça de Mitrovic, que quase sem espaço na beirada da área, testou firme no canto da meta. Portugal ruiu e o som da torcida foi desesperador. Com pouco mais de três minutos para buscar o empate, o time da casa sentiu a pressão. Não deu tempo para muita coisa.
A falta de vontade em matar o jogo e a abordagem defensiva por parte de Portugal custaram caro, e esses não são problemas novos para a equipe de Fernando Santos, que frequentemente é criticado por não conseguir extrair o melhor de uma geração que tem cada vez mais talento. Não basta ter um elenco mais qualificado, é preciso atuar como tal.
A Sérvia, em 90 minutos, procurou mais a vitória, foi valente e ignorou o abismo técnico que a separava do seu rival. O gol de Mitrovic, que mal havia tocado na bola, acabou por selar o destino da seleção que mais uma vez vai à Copa, exigindo mais respeito do que as gerações de 2010 e 2018. Novamente campeã de seu grupo, como havia sido no Mundial de 2010, relegando a França à repescagem, conta, no banco de reservas, com um herói nacional que tem demasiada experiência em Mundiais, por ter sido o destaque iugoslavo nas edições de 1990 e 98.
De maneira dramática, mas bastante justa pelo que mostrou ao longo das Eliminatórias, sem perder nenhum jogo, os sérvios comemoram uma nova façanha, agora na casa de um grande time como Portugal. Se isso não é demonstrar coragem, o que mais será?
Agora as favas contadas não são mais tão óbvias assim: Portugal perdeu justamente quando não poderia e agora terá de ser testado em jogos cruciais. A fase não é boa, tecnicamente e em questão de ânimo. É mais um chamado para o salvador de sempre mostrar suas credenciais: Cristiano Ronaldo tem moral e poder para tirar mais um coelho da cartola na repescagem, basta só que seus companheiros estejam à altura da missão que os espera.
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