Calciopédia
·05 de maio de 2020
Calciopédia
·05 de maio de 2020
A Serie A 2001-02 está entre as mais disputadas de todos os tempos. A competição, que tinha sido liderada por Juventus, Inter, Roma e até mesmo Chievo, tinha a Beneamata como líder solitária na 33ª e penúltima rodada, com um ponto a frente dos alvinegros e dois a frente dos romanos. As três equipes tinham chances matemáticas de levantar o troféu, mas a única a depender de si mesma na última jornada era a formação nerazzurra de Héctor Cúper. Justamente a única que perdeu seu compromisso final naquele 5 de maio e teve de conviver com um incômodo fantasma.
Como de praxe, na última rodada do Italiano todas as equipes entrariam em campo simultaneamente, às 15 horas do dia 5 de maio de 2002. As três candidatas ao título jogariam longe de suas torcidas. A Juventus teria pela frente a Udinese, 12ª colocada e de permanência garantida na elite. A Roma iria a Turim enfrentar um Torino sem risco de rebaixamento e ainda vivo na briga pela vaga na Copa Intertoto do ano seguinte. À Inter, bastava uma vitória sobre a Lazio para confirmar o 14º scudetto de sua história.
A Lazio, então sétima colocada, poderia no máximo chegar à Copa Uefa, se fosse sexta colocada, o que só ocorreria em caso de vitória. Triunfo que abriria caminho para que a Roma pudesse ser bicampeã nacional e chegar a seu quarto scudetto – o que não agradava nem um pouco à torcida. Parecia ser a ocasião perfeita para que os nerazzurri colocassem fim ao jejum de 13 anos sem ganhar a Serie A.
O favoritismo da Inter era enorme e ficou ainda mais evidente após uma declaração de Buffon, entrevistado dias antes da rodada derradeira. O goleiro da Juventus foi perguntado sobre o percentual de chances de faturar o caneco e respondeu: “90% de chance para a Inter, 9% para a Juventus e 1% para os romanistas”, disse, em meio a uma risada sincera e preocupada.
No Olímpico, tínhamos uma atmosfera de decisão. Eram mais de 75 mil nas arquibancadas, com a Curva Sud tomada pelos nerazzurri – há relatos da presença de cerca de 40 mil torcedores do time de Milão. Em vários setores, interistas e laziali acompanhavam a partida juntos, por conta da amizade entre as torcidas. Boa parte dos torcedores da Lazio também queria ver uma vitória interista, afinal a Roma ainda tinha uma remota chance de faturar o scudetto. Além disso, as organizadas estavam na bronca com o técnico Alberto Zaccheroni e havia faixas de protesto contra jogadores do clube, como Angelo Peruzzi, Sinisa Mihajlovic, Paolo Negro, Gaizka Mendieta, Fabio Liverani e Karel Poborsky.
Com mentalidade oposta à dos torcedores, os atletas da Lazio entraram em campo com bastante disposição, sem se poupar nas arrancadas ou aliviar nas divididas. No 4-4-1-1, o time da casa se defendeu bem nos primeiros minutos, congestionando a zona central e induzindo a Inter ao erro. No ataque, ficava pouco tempo com a bola e apostava em lançamentos longos para os homens de frente, que foram pouco efetivos.
A Inter, por sua vez, entrou em campo desligada: era nítida a pressão nos jogadores, já que a gestão de Massimo Moratti começara em 1995 e, até o momento, só tinha conquistado uma Copa Uefa, em 1998. O time tentou colocar a bola no chão e propor o jogo, mas errou muitos passes no último terço do campo e finalizou poucas vezes com perigo, por conta das atuações apagadas de Ronaldo e Sérgio Conceição.
Para os interistas, era um olho no campo e outro nas partidas adjacentes. Após 10 minutos em Údine, a partida já estava sob o controle da Juventus. Os donos da casa, desinteressados, não se esforçaram muito para segurar David Trezeguet e Alessandro Del Piero, que marcaram em 11 minutos e mostraram que o time estava fazendo a sua parte. Nas arquibancadas do Friuli, o foco passou para a partida do Olímpico, através das informações que chegavam aos rádios de bolso de alguns juventinos. Logo após o 2 a 0, correu a notícia de que Christian Vieri havia marcado para a Inter, aproveitando falha de Peruzzi.
Passados sete minutos, a Lazio chegava ao empate. Stefano Fiore ajeitou a bola para o meio da área, Vratislav Gresko errou em seu posicionamento e Poborsky estufou as redes – escutando uma reação tímida da torcida. Um gol da Lazio que a Curva Nord não comemora. Quatro minutos depois, o ex-laziale Luigi Di Biagio colocava a Inter em vantagem novamente, com outro gol de bola parada. Nos acréscimos, a Lazio se aproveitou das falhas e voltou a igualar o marcador: Gresko, completamente sozinho, tentou recuar de cabeça para o goleiro, mas Poborsky interceptou o passe e marcou o segundo. A partida ganhava um roteiro dramático para o segundo tempo.
Em Turim, Torino e Roma ficaram sem gols em um primeiro tempo de pouquíssimas chances. Na luta pela permanência, o Brescia de Roberto Baggio empatava sem gols com o Bologna, que disputava a vaga na Copa Uefa com a Lazio. O Piacenza derrotava o Verona graças a uma boa cobrança de falta de Sergio Volpi. Apesar da derrota, a combinação de resultados deixava os veroneses na Serie A e rebaixava o Brescia.
Se o primeiro tempo tinha sido difícil para a Beneamata, foi na etapa complementar que a coisa desandou. A Lazio voltou dos vestiários consciente de que, com a vitória da Juventus, a Roma não ficaria com o título. Confiante, o time da casa pensou em garantir seu posto europeu e focou em um excelente trabalho defensivo, capaz de neutralizar as ações da Inter antes mesmo que a bola chegasse na grande área.
No campo de ataque, o time de Zaccheroni foi eficiente e, com poucas chegadas, conseguiu o gol da virada: em cobrança de falta no lado esquerdo, Diego Simeone recebeu cruzamento, ganhou de Cristiano Zanetti e testou para o barbante. O argentino, que havia passado boa parte do campeonato lesionado, fez seu único gol na temporada na última rodada e contra sua antiga equipe.
A Inter ainda tinha pela frente 35 minutos mais os acréscimos para marcar duas vezes, já que o empate não servia. Àquela altura, o principal inimigo dos visitantes não era o relógio ou o sol escaldante da tarde romana. Era, na verdade, o nervosismo que tomou conta dos atletas. Os nerazzurri precisaram de 18 minutos para finalizarem a gol pela primeira vez no segundo tempo: Di Biagio emendou um chute forte que parou em Peruzzi.
Enquanto o drama aumentava no Olímpico, a Roma marcava no Comunale de Turim: Antonio Cassano encobria Stefano Sorrentino e jogava a Inter para a terceira posição. Em Piacenza, Dario Hübner ampliava a vantagem dos alvirrubros sobre o Verona e assumia a artilharia da competição, com 24 tentos. Na Lombardia, Jonathan Bacchini, Robi Baggio e Luca Toni marcaram para salvar o Brescia: a combinação de resultados rebaixava o Hellas e deixava a Lazio com vaga na Copa Uefa.
Jogando com tranquilidade, a Lazio ainda chegou ao quarto gol, com Simone Inzaghi. Enquanto o camisa 21 cumprimentava os companheiros, o silêncio tomava conta das arquibancadas e os primeiros interistas começavam a deixar o estádio. A Inter se lançou para o ataque, mas foi presa fácil para Alessandro Nesta, Jaap Stam e companhia. A Lazio, então, passou a trocar passes. Os nerazzurri iam tomando pé de uma situação surreal: o terceiro posto faria com que a equipe tivesse de disputar a fase preliminar da próxima Champions League. Um cenário nada glorioso para quem começou o dia sonhando com scudetto.
Na reta final da peleja, Ronaldo Fenômeno foi substituído por Mohamed Kallon, depois de uma atuação apagada. O brasileiro, que estava voltando aos gramados pouco a pouco, após duas sérias lesões, foi às lágrimas no banco de reservas e foi o protagonista de uma imagem emblemática, que marcou sua última partida com a camisa nerazzurra. Um retrato bem diferente do Ronie que celebrou, em Paris, o triunfo na Copa Uefa sobre a mesma Lazio, em 1998. Naquela partida, o atacante brilhou com um gol antológico.
O placar de 4 a 2 prevaleceu até o apito final. A zebra em Roma fez o scudetto, que estava nas mãos da Inter, cair no colo da Zebra de Turim. A Juventus, treinada por Marcello Lippi, somava seu 26º título nacional e a Beneamata precisaria esperar mais quatro anos para sair da fila.
O 5 de maio também foi ressignificado em 2010. Naquele dia, na final da Coppa Italia contra a Roma, Diego Milito marcou um golaço decisivo no mesmo Olímpico que atormentara os nerazzurri e exorcizou o fantasma. O título da competição permitiu que a Inter conquistasse sua Tríplice Coroa duas semanas depois.
Lazio: Peruzzi; Stam, Fernando Couto, Nesta, Favalli; Poborsky, Giannichedda, Simeone (D. Baggio), Stankovic (César); Fiore; S. Inzaghi. Técnico: Alberto Zaccheroni. Inter: Toldo; J. Zanetti, Córdoba, Materazzi, Gresko; Sérgio Conceição (Dalmat), Di Biagio, C. Zanetti (Emre), Recoba; Ronaldo (Kallon), Vieri. Técnico: Héctor Cúper. Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 5 de maio de 2002 Gols: Poborsky (20′), Poborsky (45′), Simeone (56′) e Inzaghi (73′); Vieri (12′) e Di Biagio (24′) Árbitro: Gianluca Paparesta (Itália).